Arte de Marcos Pê
Galope da volta
Alexandre Morais
Cresci sem saber o
que era bonança
Já desde pequeno
lutando na roça
Botei boi em carro,
jumento em carroça
E fiz do meu lombo
carroça e balança
Cresci com meu pai
a dizer que criança
O quanto mais nova
é que é bom trabalhar
Que filho de pobre
não tem que estudar
Que quem não
trabalha se encontra com a fome
Quem planta é quem
colhe, quem colhe é quem come
E a vida não para
se a gente parar
Depois, quando
jovem, pensei que meu nome
Podia ser outro,
que não Zé do Mato
Que a vida qual
roça também pede trato
E pode ser boa se
achar quem lhe dome
Igual passarinho
que voa e que some
Que vaga no mundo,
mas torna a voltar
Pensei que também
eu podia voar
Beber noutras
fontes, sentir novos ares
Sentir outros gostos,
testar paladares
Voltar e dizer vale
a pena sonhar
Papai bem
tristonho, com muitos pesares
Não disse um não,
mas eu vi que ele disse
Mamãe bem chorosa, me
disse e redisse
Que Deus te
acompanhe por onde passares
Deixei minha roça
com dez hectares
De milho crescido a
querer pendoar
Feijão já mostrando
que ia florar
Mas nada daquilo
pra mim tinha ganho
Parti pra cidade
sem nem um arranho
Sentir de vontade
de em casa ficar
De cara senti
quanto é ruim ser estranho
Não ter a quem dar
se quer um bom dia
Àquele que eu dava,
se quer respondia
Me dando por dia de
lágrimas um banho
Eu vi da tristeza qual
é o tamanho
Por quase seis anos
lhe puder pesar
Remorso e saudade
chegaram de par
Entraram na casa,
deitaram no leito
Entraram no corpo,
deitaram no peito
E em vez de dormir
eu só fiz acordar
Voltei pra meu
canto, pois vi que o jeito
Que tinha era esse
de achar o meu sonho
A terra onde eu
piso é a mesma onde eu ponho
Sementes de sonhos
pra um mundo perfeito
No meu semiárido eu
sou o sujeito
Ativo do tempo e
também do lugar
Sou gente que faz e
que sabe ensinar
Seguindo o ditado
do todos por um
Se um for por
todos, o ganho é comum
E a causa comum é
melhor de ganhar
Sabendo quem somos,
se quebra o jejum
Que a seca estendia
nos tempos de outrora
Sabendo o que
temos, cuidando do agora
Não vamos sofrer em
futuro nenhum
Pra cada inimigo de
antes algum
Amigo surgiu e nos
veio mostrar
Que é fácil e
possível a gente plantar
Criar, produzir,
conviver e ser mais
Felizes juntinhos
dos filhos e pais
Raízes e frutos do
nosso lugar