domingo, 26 de junho de 2022

Gilberto Gil 80 anos: 10 músicas para celebrar um dos maiores artistas do Brasil

junho 26, 2022 Por Alexandre Morais Sem comentários

  

Do Diário do Nordeste 

 É dia de Gilberto Gil. Neste domingo (26), um dos maiores cantores e compositores brasileiros de todos os tempos completa 80 anos. Nascido em Salvador no ano de 1942, Gil é a síntese inspirada de um país diverso, pulsante e crítico. É também motor: a cada novo projeto – e até mesmo na convivência com familiares, compartilhada aos montes nas redes sociais – o ícone promove novas formas de abraçar a arte, a cultura e a vida.

   A carreira iniciou no acordeon, nos anos 1950. Inspirado por Luiz Gonzaga (1912-1989), pelo som do rádio e pelas procissões na porta de casa, logo tratou de explorar a sonoridade sertaneja. Até que surge João Gilberto (1931-2019), a Bossa Nova, e também Dorival Caymmi (1914-2008), com canções praieiras e o mundo litorâneo. Influenciado, Gil deixou de lado o acordeon e empunhou o violão. Em seguida, a guitarra elétrica – instrumentos que abrigam as harmonias particulares da obra desse gênio até hoje.


   A tônica das criações de Gilberto é retratar a nação. Um dos pontos altos dessa dinâmica foi a Tropicália ou Movimento Tropicalista, iniciado por ele juntamente a Caetano Veloso em 1963, na Universidade da Bahia. O projeto buscava contemplar e internacionalizar a música, o cinema, as artes plásticas e toda a arte brasileira. Gal Costa, Tom Zé, Rogério Duprat, José Capinam, Torquato Neto, Rogério Duarte, Nara Leão, entre outros, uniram-se à dupla munidos do mesmo fim.

   O movimento, contudo, gerou descontentamento da ditadura vigente, devido aos gestos e criações libertárias. Resultado: exílio. Em Londres, Gil toma como maior influência os Beatles, Jimmi Hendrix e todo o mundo pop que despontava na época. De volta ao Brasil, o volumoso legado desse contato não se extingue. Pelo contrário, impulsiona maneiras de dialogar com aspectos ainda mais ricos da arte.

   De lá para cá, o mestre foi Ministro da Cultura no Governo Lula; eleito Artista da Paz pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura); Doutor Honoris Causa pela Universidade de Berklee; e, mais recentemente, imortal pela Academia Brasileira de Letras (ABL), ocupante da cadeira de número 20. Exemplo e bravura por entre diversos reconhecimentos, mais de 60 discos e uma trajetória desconhecedora de limites.


   Neste momento, Gil celebra a nova primavera na Europa. Ele inicia hoje a turnê do show "Nós, a gente", com os filhos e netos. Além disso, a Companhia das Letras lança a terceira edição de "Gilberto Gil - Todas as Letras", com a totalidade das canções do compositor, uma cronologia e centenas de comentários – diversos deles inéditos – do autor a respeito das letras.

   Nesse clima de festa e reverência, o Verso selecionou dez músicas que traduzem o espírito multifacetado de Gil, o xamã incontornável de nosso chão.

"Drão"

    A lista abre com um dos maiores sucessos do gênio. "Drão" está presente no disco "Um Banda Um" (1982) e retrata uma confissão, busca por perdão dos erros cometidos e reflexão do então relacionamento que o cantor e compositor havia terminado. Gil foi casado durante 17 anos com Sandra Gadelha, com ela teve três filhos, Pedro, Preta e Maria.


"A Paz"

    Belíssima, a canção foi escrita sob a inspiração da obra de Liev Nikoláievich Tolstói (1828-1910), intitulada "Guerra e Paz". A situação concreta para a composição foi a de que o cantor e compositor João Donato certo dia fora na casa de Gilberto Gil com várias canções, todas elas chamadas "Leila". Era no total de quinze ou dezesseis. João Donato entregou-as para Gil e cochilou. Foi a imagem dele cochilando sossegado à luz do dia e a lembrança do livro de Tolstói que constituíram o marco inspirador para a música.

"Andar com fé"

   No aniversário de 78 anos, em 2020 – durante um dos momentos mais nebulosos da pandemia de Covid-19 – Gil presenteou o Brasil e o mundo com uma nova versão desta celebrada composição. A história da canção é contada no disco “Todas as letras”, de Gilberto Gil, e organizado por Carlos Rennó (Companhia das letras, 1996). O grande mote da música é a utilização da expressão “faiá” no lugar da linguisticamente correta, “falhar”. Segundo o criador,  “Faiá é coração, falhar é cabeça, e fé é coração”.


"Tempo Rei"

  Lançada no disco "Raça humana" (1984), outra canção de esperança do mestre. "Tempo Rei" reafirma a veia filosófica-otimista do cancioneiro de Gilberto Gil. A fé no futuro – ou em algo para além do alcance da razão –, porque consciente das transformações do presente, é a base temática, além da vulnerabilidade das coisas e das fragilidades dos laços humanos.

"Palco"

   Gravada pela primeira vez pela banda "A Cor do Som (1977)", "Palco" foi registrada no álbum “Luar (A Gente Precisa Ver o Luar)”, de 1981. Segundo o próprio Gil, esta é "uma canção que era na verdade pra não deixar dúvida a respeito de tudo o que cantar representa para mim, e a respeito da minha relação com a música – simbolizada de forma completa pelo estar no palco". Linda!


"Se eu quiser falar com Deus"

  No início de 1980, Roberto Carlos pediu para Gilberto Gil criar uma música para ele lançar com exclusividade, mas não detalhou a temática que desejava para aquela faixa. O artista baiano pensou e supôs que o amigo iria querer falar de algo religioso. Assim nasceu a tocante "Se eu quiser falar com Deus", também presente no disco "Luar (A Gente Precisa Ver o Luar)", de 1981.

"Aquele abraço"

   Gil, ao ser libertado do quartel no Realengo, no qual passou sessenta dias preso, retornou em uma quarta-feira de Cinzas ao povo e à convivência no Rio de Janeiro. Nesse clima de volta, ele foi deixando o próprio “abraço” de maneira especial ou irônica a todos aqueles que marcaram sua existência.


 

"Vamos fugir"

   O cantor estava viajando pela Jamaica em 1984 junto ao produtor Liminha para gravar com a banda “The Wailers” (lendária banda de Bob Marley). Um dia, Liminha acordou, pegou uma guitarra desligada, sentou no chão e começou a compor a estrutura da letra em inglês – a princípio, com base na frase “Gimme your love”. "Vamos Fugir” marcou a carreira de Gil ao traduzir o ritmo reggae no Brasil, naquela época ainda pouco explorado.

 

"Toda menina baiana"

   'Feita em Salvador ao lado de Nara, filha mais velha de Gil, enquanto ela estava na pré- adolescência, "Toda menina baiana" é para ela e por causa dela. Fala do caráter fundador da Bahia e das virtudes e defeitos do homem. "Por força da busca de compreensão do divino no humano, eu me empenhava em me desvencilhar do maniqueísmo, abarcando as ideias ligadas tanto ao bem quanto ao mal. De lá pra cá, esse ficou sendo um tema básico de minhas canções".

"Não Chore Mais"

   Forte e melancólica, "Não Chore Mais" – coincidindo com o momento em que a abertura política estava começando no Brasil – acabou por se referir a todo um período de repressão no país. Conforme o próprio Gil, “eu pensava na transposição de uma cena jamaicana para uma cena brasileira a mais similar possível nos aspectos físico, urbano e cultural. 'No Woman, No Cry' retratava o convívio diário de rastafaris no ‘government yard' em Trenchtown, e a perseguição policial que eles sofriam. Esta situação eu quis transportar para o parque do Aterro (RJ), também um parque público, onde localizei policiais em vigília e hippies em rodinhas, tocando violão e puxando fumo".

 
Transcrito de: https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/verso/gilberto-gil-80-anos-10-musicas-para-celebrar-um-dos-maiores-artistas-do-brasil-1.3248603

quinta-feira, 16 de junho de 2022

95 anos de Ariano Suassuna: ressentimento por João Pessoa inspirou obra do paraibano

junho 16, 2022 Por Alexandre Morais Sem comentários

Ariano Vilar Suassuna nasceu em 16 de junho de 1927 na Parahyba do Norte, capital da Paraíba. Foto: divulgação
 

Por José Nunes* / Jornal da Paraíba


   Ariano Vilar Suassuna nasceu em 16 de junho de 1927 na Parahyba do Norte, capital da Paraíba que mais tarde passaria a se chamar ‘João Pessoa’. Nome que o poeta paraibano se recusava a verbalizar por carregar o sangue e a dor que a família carrega até hoje.

 Mesmo marcado pelo ressentimento, os fatos e acontecimentos que marcaram o ano de 1930 na Paraíba, notadamente a vida de seu pai, João Suassuna, de familiares e de aliados políticos, associado às raízes culturais do Sertão, são as bases da obra literária de Ariano Suassuna, composta de romances, poemas, peças de teatro, pinturas, iluminuras e desenhos.

  Os acontecimentos políticos de 1930 na Paraíba, que culminaram em assassinatos e perseguições, mais de noventa anos depois continuam a repercutir e a exigir aprofundados estudos e análises documental para esclarecimentos à História.

  Como ele costumava dizer que passou toda a sua vida buscando decifrar as razões que levaram ao assassinato de seu pai, “de forma traiçoeira numa emboscada”. Escrever sobre aqueles acontecimentos era, no seu entender, manter viva a memória daquele que foi o seu rei e seu herói. Revelou, certa vez, que em mais de uma oportunidade tentou escrever a história do pai, mas era dominado pela emoção.

  Sua obra máxima, “Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta, que passou mais de duas décadas elaborando, está a presença do pai, como um Dom Sebastião I, rei de Portugal que, em 1578, desapareceu em uma batalha para nunca mais voltar, mesmo que no imaginário voltaria um dia.

  Nesse sentido, João Suassuna assume papel preponderante na obra de Ariano, uma obra que pretende ser um protesto contra tudo o que fizeram com sua família e os correligionários de seu pai e, 92 anos depois dos acontecimentos, continua a repercutir.

   Agora, com se faz memória de Ariano Suassuna por ocasião do seu nascimento, rever os caminhos da história é manter presente o desejo dele para que os caminhos percorridos pelo seu pai, nas terras por ele consideradas luminosas, continuem sendo habitados.

   Uma história recheada de episódios de sangue, de traição às amizades e constantes desavenças que perduram porque passaram da civilidade para a brutalidade, do ódio ao rancor na imposição da vontade imperativa e da ganância pelos louros do poder.

 Vida e obra de Ariano Suassuna também inspirou artista plástico Flávio Tavares. Foto: reprodução 

Aqui morava um rei (Ariano Suassuna)


Aqui morava um rei quando eu menino
Vestia ouro e castanho no gibão,
Pedra da Sorte sobre meu Destino,
Pulsava junto ao meu, seu coração.
 
Para mim, o seu cantar era Divino,
Quando ao som da viola e do bordão,
Cantava com voz rouca, o Desatino,
O Sangue, o riso e as mortes do Sertão.
 
Mas mataram meu pai. Desde esse dia
Eu me vi, como cego sem meu guia
Que se foi para o Sol, transfigurado.
 
Sua efígie me queima. Eu sou a presa.
Ele, a brasa que impele ao Fogo acesa
Espada de Ouro em pasto ensanguentado.                               

 

   Se no decorrer da nova forma e sistema de governo que no País foram implantados, quando foi destituída a Monarquia em novembro de 1889, a partir do golpe militar comandado pela Marechal Deodoro da Fonseca, com apoio de proprietários de terras, senhores dos cafezais, da pecuária e da cana de açúcar, insatisfeitos com a perda da força do trabalho escravo, daí, novas formas de dominação surgiram nos Estados.

 Na Paraíba, sem dúvida, começaram a aparecer as personalidades que criaram vínculos com o poder republicano para, a todo o custo, continuar usurpar no comando político. O surgimento lideranças, com raízes nas mesmas linhagens escravocratas ou procedentes da brutalidade de terras ressequidas dos sertões, não demorou desgradearam-se. Agarrando-se a picuinhas pessoais até chegar o distanciamento e, assim, consolidar o poder pessoal.

  Entre as famílias da Paraíba que mais se envolveram em intrigas, que passaram das paisagens política para a pessoal, foram os Pessoas, os Dantas e os Suassunas, em maior dimensão. Mesmo que em diferentes regiões do Estado, desde o Brejo ao Sertão, os coronéis tomavam posições em favor de suas ideologias que perseguiam para se manter no poder.

  Foi João Suassuna, entre as personagens da política de 1930, na Paraíba, quem mais sofreu, tendo em vista que João Dantas, por ser primo de sua esposa Rita de Cássia, as rixas políticas patrocinadas pelos Pessoas recaíram sobre sua família. Neles respingaram os ranços do ódio e da impiedosa perseguição política e pessoal, até chegar aos assassinatos.

  Assassinato de João Suassuna, no dia 9 de outubro de 1930, no Rio de Janeiro, quando tentava esclarecer à Nação sua inocência e defender-se das acusações imputadas pelos adversários políticos e a essa altura inimigos ferrenhos, a partir de discurso na Câmara Federal, onde ocupava uma cadeira de deputado, não pôs fim as perseguições à sua família e seus amigos, sobretudo aos que se opunham ao comando do presidente (governador) João Pessoa.

   Decorrido muitos anos, José Américo de Almeida, que foi um dos principais articulador da campanha de 1930 e das investidas contra os coronéis opositores do governo, homem próximo a João Pessoa, Secretário das Forças Públicas, reconheceria que Suassuna era um inocente que perdeu a vida. “Vítima inocente, no mais monstruoso dos atentados”, escreveu José Américo.

   Se no decorrer da nova forma e sistema de governo que no País foram implantados, quando foi destituída a Monarquia em novembro de 1889, a partir do golpe militar comandado pela Marechal Deodoro da Fonseca, com apoio de proprietários de terras, senhores dos cafezais, da pecuária e da cana de açúcar, insatisfeitos com a perda da força do trabalho escravo, daí, novas formas de dominação surgiram nos Estados.

Ariano Suassuna transformou a dor pela perda do pai em vasta obra. Foto: Leo Martins/Agência O Globo 

  Na Paraíba, sem dúvida, começaram a aparecer as personalidades que criaram vínculos com o poder republicano para, a todo o custo, continuar usurpar no comando político. O surgimento lideranças, com raízes nas mesmas linhagens escravocratas ou procedentes da brutalidade de terras ressequidas dos sertões, não demorou desgradearam-se. Agarrando-se a picuinhas pessoais até chegar o distanciamento e, assim, consolidar o poder pessoal.

  Entre as famílias da Paraíba que mais se envolveram em intrigas, que passaram das paisagens política para a pessoal, foram os Pessoas, os Dantas e os Suassunas, em maior dimensão. Mesmo que em diferentes regiões do Estado, desde o Brejo ao Sertão, os coronéis tomavam posições em favor de suas ideologias que perseguiam para se manter no poder.

  Foi João Suassuna, entre as personagens da política de 1930, na Paraíba, quem mais sofreu, tendo em vista que João Dantas, por ser primo de sua esposa Rita de Cássia, as rixas políticas patrocinadas pelos Pessoas recaíram sobre sua família. Neles respingaram os ranços do ódio e da impiedosa perseguição política e pessoal, até chegar aos assassinatos.

  Assassinato de João Suassuna, no dia 9 de outubro de 1930, no Rio de Janeiro, quando tentava esclarecer à Nação sua inocência e defender-se das acusações imputadas pelos adversários políticos e a essa altura inimigos ferrenhos, a partir de discurso na Câmara Federal, onde ocupava uma cadeira de deputado, não pôs fim as perseguições à sua família e seus amigos, sobretudo aos que se opunham ao comando do presidente (governador) João Pessoa.

  Decorrido muitos anos, José Américo de Almeida, que foi um dos principais articulador da campanha de 1930 e das investidas contra os coronéis opositores do governo, homem próximo a João Pessoa, Secretário das Forças Públicas, reconheceria que Suassuna era um inocente que perdeu a vida. “Vítima inocente, no mais monstruoso dos atentados”, escreveu José Américo.

  Durante muito tempo, como que planejado, a morte de João Suassuna passou quase que despercebida nos compêndios e abordagens sobre a revolução de 1930, quando se dava mais destaque a João Pessoa e João Dantas. Mas a morte de João Suassuna abalou e fez calar o Sertão, emudeceu o Brejo e no Litoral o choro pela perda se espalhou. Mas esse grito de dor, abafado no primeiro momento, mesmo que lentamente está chegando na recomposição da história.

  Quando foi assassinado, João Suassuna carregava no bolso a histórica e esclarecedora carta endereçada à esposa, na qual declarava sua inocência, temia ser morto e recomendava afastar-se do cenário de intrigas em que se transformou a Paraíba, como forma de proteger a família.

 Inicialmente, recolhida à fazenda Acahuan, à época localizada no município de Sousa – hoje em Aparecida -, dona Rita Suassuna persistia em busca de esclarecer os fatos em memória do marido assassinado e esquecido, enquanto que os “vitoriosos” empurravam ao esquecimento e ao sofrimento antigos aliados.

  Com os filhos menores, dona Rita Suassuna não ficou acuada, mas manteve-se firme na defesa da família e da honra do marido. Seguia fielmente as recomendações deixada pelo marido na carta de despedida, de que não buscassem vingança, mas justiça e o esclarecimento dos fatos.

  Durante toda a sua vida ela, que faleceu aos 94 anos em abril de 1990, manteve-se com serenidade quanto aos fatos, levando os filhos a permanecerem confiantes de que, um dia, tudo estaria esclarecido e a justiça à memória de João Suassuna perante a história, aconteceria.

  Percebe-se pelos depoimentos e pelo comportamento dos familiares de João Suassuna, desde os primeiros momentos de quando tudo o que aconteceu naquele ano, a orientação sempre foi a de nunca buscar revide, mas esperar que o tempo se encarregaria de tudo esclarecer e, mesmo diante da dor e das perseguições, nenhum gesto de vingança se registrou, vindo de seus parentes.

  Decorridos mais de noventa anos de tudo o que aconteceu em Recife, notadamente na Confeitaria Glória, quando João Pessoa foi assassinado e depois, preso, João Dantas e seu cunhado Augusto Caldas degolados na prisão e, três meses depois, com a morte de João Suassuna no Rio de Janeiro, com certeiro tiro pelas costas, as famílias ainda carregam certos estremecimentos. Se durante todo o tempo, a partir dos fatos de 1930 e no decorrer dos anos, sobretudo quando dona Rita Suassuna estava viva, não se buscava qualquer motivação para revide. E assim continua com as gerações que sucederam.

  O escritor Ariano Suassuna, que tinha três anos quando o pai foi assassinado, costumava dizer que passou a vida tentando compreender tudo o que tinha acontecido e, escrevendo, tentava explicar os acontecimentos e, assim, manter viva a memória de seu pai.

  A resposta à dor e a impossibilidade de mudar a história, foi na Arte que Ariano encontrou os caminhos para à resposta aos algozasses que tiraram a vida de seu pai e de tantos outros.

 

*José Nunes é jornalista, escritor, diácono e membro da Academia Cabedelense de Artes e Letras Litorânea e do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba.


Transcrito de: https://jornaldaparaiba.com.br/politica/conversa-politica/2022/06/16/95-anos-ariano-suassuna-joao-pessoa-inspirou-obra-paraibano

junho 16, 2022 Por Alexandre Morais Sem comentários


 

domingo, 12 de junho de 2022

Ai se sesse- Poema comentado

junho 12, 2022 Por Alexandre Morais 3 comentários

   Poema de Zé da Luz, com comentários de Laura Aidar, arte-educadora e artista visual

Do portal Cultura Genial

      Ai se sesse

Se um dia nós se gostasse

Se um dia nós se queresse
Se nos dois se empareasse
Se juntin nós dois vivesse
Se juntin nós dois morasse
Se juntin nós dois durmisse
Se juntin nós dois morresse
Se pro céu nos assubisse

Mas porém acontecesse de São Pedro não abrisse
A porta do céu e fosse te dizer qualquer tolice
E se eu me arriminasse
E tu com eu insistisse pra que eu me aresolvesse
E a minha faca puxasse
E o bucho do céu furasse
Talvez que nos dois ficasse
Talvez que nos dois caísse
E o céu furado arriasse e as virgem todas fugisse

 

   Em Ai se sesse, o poeta Zé da Luz elabora uma cena fantasiosa e romântica de um casal de enamorados que passa toda uma vida juntos, sendo companheiros na morte também.

   O autor imagina que quando chegasse ao céu, o casal teria uma discussão com São Pedro. O homem, com raiva, puxaria uma faca, "furando" o firmamento e libertando os seres fantásticos que lá vivem.

  É interessante observar a narrativa desse poema, tão criativo e surpreendente, combinado com a linguagem regional e considerada "errada" em termos gramaticais. Poemas assim são exemplos de como o chamado "preconceito linguístico" não tem razão de existir.

Copiado de: https://www.culturagenial.com/cordel-nordestino-poemas/

sábado, 11 de junho de 2022

Maciel Melo - Crônicas de um Cantador

junho 11, 2022 Por Alexandre Morais Sem comentários

Pode ser uma imagem de 1 pessoa e em pé 

Sem trava e sem freio de mão
 
   A vida é só um jeito de ser.
   Às vezes, penso que sou tudo o que penso, e fico intenso, e fico imenso e fico imerso em meus delírios, como se eu fosse único. Mas quando acordo, percebo que sempre haverá alguém melhor do que eu, melhor do que você, melhor do que qualquer um que se julgue único. A unicidade é uma palavra inventada unicamente para expressar a onipotência de Deus.
   Às vezes, penso que sou o último pirilampo a vagalumear pelas madrugadas, e quando dou fé outro pisca-pisca baila na minha frente, alumiando o escuro das minhas incertezas, acendendo e apagando as janelas da rua por onde passeiam os, noturnos corações.
   Muitas vezes dou defeito, confesso; escapulo da fenda por onde vazam os sentimentos e saio à procura da porca que pariu a arruela que remoeu a rosca do parafuso que veda a vida.
   Às vezes, desembesto em paixões íngremes, sem trava e sem freio de mão; e aí, o amor enguiça e, rebocado, sou transportado para outras emoções.
   E assim eu vou vivendo à toa, na esperança de um amor que me roa, me rasgue e me remende, toda vez que, por ele, eu me esfarrapar.

domingo, 5 de junho de 2022

A origem dos nomes dos estados do Nordeste

junho 05, 2022 Por Alexandre Morais Sem comentários

lençois maranhenses

Por João Paulo Vicente / Da National Geographic Brasil

   Cezar Neri professor do curso de Letras no Campus do Sertão da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), sintetiza a dificuldade de identificar a origem exata do nome de um lugar com um caso bastante ilustrativo. Durante uma pesquisa sobre a toponímia de cidades sergipanas, ele chegou a Aquidabã, com pouco mais de 20 mil habitantes e distante cerca de 100 km da capital Aracajú.

   “Eu entrevistei um professor da rede municipal sobre a motivação por trás do nome e ele me contou que viajantes que passavam pela região decidiram descansar por ali. Estavam cansados e falaram ‘Aqui tá bom’. Com o tempo, teria virado Aquidabã”, conta Cezar. “Aquidabán, na verdade, é o nome de um rio no Paraguai. A cidade faz menção à vitória brasileira na Guerra do Paraguai. Mas é muito comum essa ressignificação das motivações”.

   A explicação surge no meio de uma discussão sobre o Maranhão, estado mais ao norte do Nordeste. Maranhão veio de Marañón, isso não se questiona. Mas de onde veio essa primeira palavra?

  O termo remonta ao século 16 – na verdade, o próprio rio Amazonas e toda a região ao seu redor foram chamados assim durante décadas. Do espanhol, especula-se que, por trás da palavra, esteja a ideia de que ali não era o mar, assim como há a possibilidade de se referir aos cajueiros.

   Do tupi-guarani, por outro lado, o nome pode vir da expressão ‘o mar que corre’. “É algo próprio do rigor científico questionar até que ponto mesmo clássicos da etimologia tupi são verdade”, diz Cezar. “O maior livro que temos sobre o tema, de Teodoro Sampaio, é de 1901. Há uma distância temporal muito grande, e mesmo de cosmovisão, para entender nomes cunhados nos séculos 16, 17 e 18”, afirma o pesquisador.

   O Maranhão, já com esse nome, chegou a ser administrado pela coroa portuguesa como um estado à parte do restante do Brasil entre os séculos 17 e 18.

   Sergipe, por sua vez, é menos controverso. Vem do tupi ‘rio dos siris’, ou cyri-gi-pe. O rio Sergipe banha Aracajú, a capital, que, entre outros atrativos turísticos, é famosa por pratos à base de caranguejos. (Tudo bem que siris e caranguejos são animais diferentes, mas esse é um mistério que fica para outra oportunidade). O estado virou província já com esse nome, em 1822.

Origem portuguesa

   Os dois estados que fazem fronteira com Sergipe têm nomes de origem portuguesa. Alagoas, ao norte, e Bahia, ao sul, também não guardam grandes segredos. Bahia vem da Baía de Todos os Santos, a maior baía do Brasil.

   Ainda que não esteja no nome dos estados, vale explicar o porquê do “de Todos os Santos”. O nome foi dado pelo navegador italiano Américo Vespúcio, que aportou ali em 1501, no dia primeiro de novembro – o dia de todos os santos. No Sul e Sudeste, a explicação das toponímias do Espírito Santo, Rio de Janeiro e Santa Catarina é parecida (mais isso é assunto para a próxima reportagem). A província da Bahia surgiu um ano antes de Sergipe, em 1821.

   Já o nome de Alagoas se origina nas diversas grandes lagoas presentes no estado, como a Mundaú e a Manguaba. Ainda no século 17, antes de ser independente de Pernambuco, a região já era designada como Comarca de Alagoas.

   A versão mais comum sobre Pernambuco diz que, por trás desse nome, está a mesma raiz em tupi (pa’ra) que Pará, Paraná e a Paraíba. No caso de Pernambuco, o termo na língua indígena seria paranãpuka, algo como “buraco no mar” ou “furo que o mar faz”. “A interpretação mais aceita é a de que o nome faz referência ao braço de mar que separa a Ilha de Itamaracá do continente”, diz George Félix Cabral, professor do Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

   O professor conta que, além de outras leituras para a expressão em tupi, tem surgido uma versão que Pernambuco vem de Fernãobourg - o burgo de Fernando, em referência a Fernando de Noronha, primeiro português a receber da coroa portuguesa permissão para explorar pau-brasil por aqui. “Até o nome se estabilizar como Pernambuco, você encontra pelo menos doze variantes. Eu, particularmente, permaneço fiel à versão de que o nome vem do tupi. É muita ginástica linguística transformar Burgo de Fernão em Pernambuco”, afirma George.

   Milton Marques Junior professor do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), lembra que Pernambuco é citada na primeira obra em língua portuguesa produzida no Brasil, Prosopopeia, de Bento Teixeira, escrita em 1601 e publicada apenas no século 17.

   Esta é a estrofe 19 do poema:

 

Em o meio desta obra alpestre e dura,

Uma boca rompeu o Mar inchado,

Que, na língua dos bárbaros escura,

Pernambuco de todos é chamado.

De Para’na, que é Mar; Puca rotura,

Feita com fúria desse Mar salgado,

Que sem, no derivar, cometer míngua,

Cova do Mar se chama em nossa língua.

 

   “Paraíba significa ‘rio ruim, impraticável’ ou ‘rio mau’, diante da dificuldade de navegação nesse rio que dá nome ao estado”, diz Milton. Outra versão é de que o nome na realidade significa ‘grande enseada’. De qualquer forma, a capitania da Paraíba foi fundada ainda em 1585.

Referência literal

   Assim como Alagoas e Bahia, o Rio Grande do Norte é bastante literal. É uma referência ao rio Potenji (que por sua vez significa ‘rio dos camarões’ em tupi), cujo estuário é muito grande. O curioso é que, apesar de a região ser chamada de Rio Grande desde o século 16, só virou do Norte no século 18, quando surgiu o Rio Grande do Sul.

   Mais acima, no começo do século 17, o Ceará era Siará Grande, por conta de um rio chamado Siará. De novo, não existe certeza sobre o significado do termo. Uma das teorias diz que trata-se de uma adaptação de Saara, o deserto, por conta das dunas da região. Outra afirma que a palavra vem de uma expressão em tupi para o local onde há caça abundante.

   “A tese mais difundida e simpática é a de que o termo vem de algo como ‘canto da jandaia’”, diz Francisco Pinheiro, professor da Universidade Federal do Ceará e ex-vice-governador do estado. Um dos responsáveis pela popularização dessa vertente é o escritor José de Alencar, que faz menção a ela no livro Iracema, de 1865.

   Capitania durante o século 17, o Ceará se tornou autônomo no finalzinho do século 18, em 1799, após passar quase cem anos subordinado a Pernambuco.

   Por fim, o Piauí, que fazia parte do Ceará até tornar-se independente em 1811. De novo, a origem do nome do estado está no tupi. Segundo leituras diversas, pode significar ‘rio das piabas’, sendo piaba um termo genérico para designar peixes pequenos, ou ‘rio dos piaus’, uma espécie de peixe de pequeno porte caracterizado por três manchas pretas ao longo do corpo.

   O piau é um peixe bom de briga e bastante resistente. Assim como os nordestinos.

Transcrito de https://www.nationalgeographicbrasil.com/cultura/2018/09/misterios-e-incertezas-rondam-os-nomes-dos-estados-do-nordeste-brasil-brasileiro-maranhao-pernambuco-bahia-unidade-federativa-sergipe-nordestino

A coragem de ter esperança

junho 05, 2022 Por Alexandre Morais Sem comentários
Ter esperança é um ato de coragem
Foto: Pexels/Diário do Nordeste

 

Por Dahiana Araújo / Do Diário do Nordeste

   Há poucos dias eu transitava entre narrativas de vidas quando escutei uma frase mais ou menos assim: “eu quero chegar nessa fase de esperança que tu tem”. Sorri de olhos e dentes, e ouvi nova entonação que também me colocava como “uma pessoa de esperança”. 

   Fiquei alguns minutos entre risadas e constatações, e depois segui pelo silêncio de minhas memórias, reconhecendo em tantas etapas de vida o quanto a esperança domina-me. Estou sempre à espera… 

   Antes, quando eu era mais nova, costumava esperar e planejar grandes momentos de vida, acontecimentos estonteantes que tantas vezes viraram relatos nos meus diários de moça. 

   Com o passar do tempo, mantive minhas esperas, mas passei a aguardar - além dos grandes acontecimentos de vida - pelos detalhes, miudezas que também fazem histórias dentro de nós, transformando lugares, pessoas, músicas, e tanto mais, em infinitos. 

   O vento que sopra entre as flores crescidas no jardim de casa; a luz brilhante do sol pouco antes de se pôr, que perpassa de forma estratégica a veneziana da sala; a chegada avassaladora ao bairro da infância para o café da tarde na calçada; o pão quente ao meu alcance, e a poucos metros de distância.

  O amanhecer feito paisagem na varanda, e a própria varanda da rede que se faz traçado e textura entre as nossas memórias que vêm dos autos das infâncias. É como se as “grandes pequenezas” do dia a dia fincassem-se para sempre, feito marcas, na pele de nossas melhores lembranças. 

  Embora cultive e cative essas esperanças, sei o quanto é preciso coragem, entrega de vida, gasto de energia vital para manter acesa a chama de crer, desejar, almejar e lutar pelo que se acredita… Em um mundo de guerras, um país de descaminhos políticos, uma cidade em que as ruas nos mostram tantos semblantes de tristezas inúmeras. Sim, inúmeras.

É um ato de coragem focar nas esperas pelas chegadas; demorar no cheiro do café quente; morar por poucos minutos que seja no mar, muitas vezes último plano na rotina; na criança da vizinha que nasceu sorrindo de olhos fechados.

   “Olha que céu bonito”, escuto em meio à escrita, e também me é motivo de para sempre habitar o mesmo lugar onde - nos alertou Mário Quintana - “vive uma louca chamada Esperança”. “É preciso dizer-lhe tudo de novo!” Será?  

Transcrito de https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/opiniao/colunistas/dahiana-araujo/a-coragem-de-ter-esperanca-1.3239293