sábado, 30 de abril de 2022

A incrível história do garoto que inventou o sistema Braille

abril 30, 2022 Por Alexandre Morais Sem comentários

Louis Braille perdeu a visão aos 5 anos — e, aos 15, já havia desenvolvido um sistema tátil para leitura e escrita — Foto: BBC

Do G1

    Num dia de 1812, na comuna de Coupvray, perto de Paris, na França, Louis Braille estava brincando na oficina do pai, que fabricava arreios para cavalos.

  Aos 3 anos, não era raro que se sentisse atraído por ferramentas de marcenaria e, imitando o que havia visto, pegou uma das mais pontiagudas para "brincar de papai".

Talvez não tenha sido a primeira vez que ele fez isso, e provavelmente haviam dito a ele para não fazer — mas, nesta idade, não se medem as consequências.

E, nesta ocasião, aconteceu um acidente que mudaria para sempre sua vida e, alguns anos mais tarde, a de muitas outras pessoas.

   Enquanto tentava fazer um buraco no couro, a sovela escorregou das mãos dele e perfurou seu olho.

O olho ficou infeccionado, e a infecção não apenas evoluiu, como também passou para o outro olho.

   Aos 5 anos, Louis Braille estava completamente cego.

Embora a escola local não oferecesse nenhum programa especial para pessoas com deficiência visual, seus pais tinham clareza que não deviam negar a ele a oportunidade de estudar. Eles o matricularam então e, aos 7 anos, Braille começou a ir para a escola.

  Como a maior parte do ensino era feita de forma oral, ele acabou sendo um aluno apto. Mas, sem saber ler ou escrever, estava sempre em desvantagem.

  Finalmente, aconteceu a melhor coisa que poderia acontecer: ele ganhou uma bolsa para estudar no Instituto Nacional para Jovens Cegos (RIJC, na sigla em francês), em Paris.

As ferramentas: uma grade sobre o papel e uma sovela, para marcar os pontos necessários — Foto: BBC


Rumo a Paris


  Braille chegou à capital francesa e ao RIJC quando tinha 10 anos.

  Naquela época, o sistema de leitura usado até mesmo no instituto era muito básico: os poucos livros que haviam eram impressos com letras em relevo, sistema inventado pelo fundador da escola, Valentin Haüy.

  Isso significava que os alunos tinham que passar os dedos sobre cada letra lentamente, do começo ao fim, para formar palavras e, depois de muito esforço, frases.

  Em 1821, Charles Barbier, capitão do exército francês, foi ao instituto compartilhar um sistema de leitura tátil desenvolvido para que os soldados pudessem ler mensagens no campo de batalha na escuridão, sem alertar o inimigo com lanternas.

Ele se deu conta de que sua "escrita noturna", como a chamava, poderia beneficiar os cegos.


Pontos e linhas, em vez de letras


  Em vez de usar letras impressas em relevo, a escrita noturna utilizava pontos e traços em relevo.

Os alunos experimentaram, mas logo perderam o interesse, uma vez que o sistema não apenas não incluía letras maiúsculas ou pontuação, como as palavras eram escritas como eram pronunciadas, e não na ortografia francesa padrão.

Louis Braille, no entanto, persistiu.

Pegou o código como base e foi aperfeiçoando.

Três anos depois, quando tinha 15 anos, havia completado seu novo sistema.


As mudanças


  A primeira versão de seu novo sistema de escrita foi publicada em 1829.

  O que ele fez foi simplificar o sistema de Barbier, reduzindo os pontos em relevo.

  A ideia era que ficassem do tamanho certo para senti-los com a ponta do dedo com um único toque.

  Para criar os pontos em relevo na folha de papel, ele usou uma sovela, a mesma ferramenta pontiaguda que havia causado sua cegueira.

  E, para garantir que as linhas ficassem retas e legíveis, usou uma grade plana.

  Como Braille adorava música, também inventou um sistema para escrever notas.


O tempo passou...


  O mundo da medicina era muito conservador e demorou a adotar a inovação de Braille.

  Tanto que ele morreu 2 anos antes de finalmente começarem a ensinar seu sistema no instituto em que havia estudado.

   Faleceu de tuberculose aos 43 anos.

  Com o passar do tempo, o sistema começou a ser usado em todo o mundo francófono. Em 1882, já estava em uso na Europa. Em 1916, chegou à América do Norte e depois ao resto do mundo.


Um sistema adaptável

   

  O sistema braille mudou a vida de muitas pessoas cegas ao redor do mundo.

  Lê-se da esquerda para a direita como outras escritas europeias, e não é uma língua: é um sistema de escrita, o que significa que pode ser adaptado para diferentes línguas.

  Foram desenvolvidos ainda códigos braille para fórmulas matemáticas e científicas.

  No entanto, com o advento de novas tecnologias, incluindo leitores de tela para computador, as taxas de alfabetização neste sistema estão diminuindo.


Homenagem póstuma


  Em 1952, em homenagem ao seu legado, os restos mortais de Louis Braille foram desenterrados e transferidos para o Panteão de Paris, onde estão localizados os túmulos de alguns dos mais célebres líderes intelectuais da França.

  No entanto, Coupvray, sua terra natal, insistiu em ficar com as mãos dele, que estão sepultadas em uma urna simples no cemitério da igreja.

  A Nasa, agência espacial americana, deu, por sua vez, o nome de "9969 Braille" a um tipo raro de asteroide, um eterno tributo a um grande ser humano.


*Este artigo é baseado no vídeo The incredible story of the boy who invented Braille ("A incrível história do menino que inventou o Braille"), da BBC Ideas. Você pode assistir aqui ao vídeo (em inglês).


Publicado originalmente em https://g1.globo.com/olha-que-legal/noticia/2022/04/30/a-incrivel-historia-do-garoto-que-inventou-o-sistema-braille.ghtml

quinta-feira, 28 de abril de 2022

Vai ter Samba de Latada no Pajeú

abril 28, 2022 Por Alexandre Morais Sem comentários

 

Apolônio da Quixabinha e Josildo Sá em cena de Samba de Latada - Foto reprodução


            Portuguesmente correto, por dirigir-se ao lugar – o sertão do Pajeú – o título acima também estaria certo se fosse na Pajeú. Aí estaria referindo-se à Mostra Pajeú de Cinema, que acontece até o dia 07 de maio, na região de mesmo nome.

            A mostra é bem mais que exibição de filmes. Ocupa ruas e salões e tem atrações artísticas, oficinas e rodas de diálogo. E é itinerante. Está em Iguaracy, Ingazeira, Carnaíba, Solidão e Afogados da Ingazeira. E é nesta última que chega, dia 06 de maio, Josildo Sá com o seu Samba de Latada. Não o show, mas o filme, documentário dirigido por João Lucas Melo.

            “O Samba de Latada é um projeto lindo, que vem desde o reavivamento desta tradição musical até ganhar o cinema. É mais uma forma da gente mostrar ao mundo as nossas identidades musicais”, explica um vibrante Josildo Sá.

Sertanejo de Tacaratu, ele é um dos discípulos de Luiz Gonzaga que foram além do tradicional trio de sanfona, zabumba e triângulo. E foi para antes do Rei do Baião também. O chamado samba de latada tem raízes mais antigas. Remontam aos primeiros adjuntos festeiros sertanejos. “É do tempo em que Gonzaga ainda era aprendiz de sanfoneiro”, registra o jornalista José Teles.

Josildo Sá em meio a uma sambada, uma das vertentes do nosso forró

            O diferencial é que entre tradições e novidades, Josildo trouxe o estilo de volta ao público na virada do século. Os discos Virado num palitó véio (1998), Coreto (2003) e Samba de Latada (2006) surgiram como novidade musical para as novas gerações e como um resgate para os mais vividos. De uma forma ou de outra, marcou a identidade do forrozeiro da terra das redes de balançar.

            “Foi pesquisa e foi identificação com o balanço - não só das redes (risos) -, mas da música e da dança. Daí a gente foi juntando gente com o mesmo propósito, o público abraçou e os projetos foram tomando forma”, relembra Josildo. Além dos CDs, os projetos incluem várias turnês, uma inesquecível parceria com o mestre Paulo Moura, um DVD e agora o filme.

            Para Josildo, uma história a ser partilhada. “O filme foi rodado em Tacaratu, junto do meu povo e da alma do Samba de Latada. É um pouco de como eu fui moldado pela música e, de certa forma, ajudei a moldar também essa nova fase do nosso forró de raiz. É uma alegria que eu venho partilhando com todo mundo nos palcos, nas gravações e agora no cinema”.

 

Serviço

7ª Mostra Pajeú de Cinema

Exibição do documentário Samba de Latada

Dia 06 de maio, 19h, Cine São José, Afogados da Ingazeira – PE

Entrada franca


Para ver a programação completa da 7ª Mostra Pajeú de Cinema, CLIQUE AQUI

terça-feira, 26 de abril de 2022

abril 26, 2022 Por Alexandre Morais Sem comentários

 


segunda-feira, 25 de abril de 2022

Maciel Melo - Acordando segunda-feira

abril 25, 2022 Por Alexandre Morais Sem comentários

 

Acordando segunda-feira.
Maciel Melo.
Porquê eu acordo cedo?
Porque cedo eu adormeço
E ao acordar careço
Ver a vida caminhar
Porque o sol ao raiar
Enche minha alma de luz
Me benzo, peço a Jesus
Forças pra ir trabalhar.
Peço a Deus sabedoria
Paz, sossego, e harmonia
Brandura em minhas palavras
Minhas crias, minhas lavras
Saio beijando um por um
Sem exitar um segundo
Caio na lapa do mundo
Tenho muito que cuidar.
A vida me deu sabença
Pelos cantos que passei
Se sei, eu digo que sei
Se não sei não digo nada
Durante a minha jornada
léguas e léguas andei.

Andei em tropa, em dueto, em procissão
Já fui curva, fui reta, risco e traço
Fui estopa, fui linha, linho e laço
Já fui turma, também fui multidão
Os mistérios do terço da razão
Eu rezei nas novenas de Maria
Faço o pelo-sinal todos os dias
Pra fazer caminhar meu coração.

Eu bem que disse - Música nossa

abril 25, 2022 Por Alexandre Morais Sem comentários


Título: Eu bem que disse
Letra: Alexandre Morais e Leca Acioly
Música: Nem e Agenorzinho
Animação artística: Edgley Brito

abril 25, 2022 Por Alexandre Morais Sem comentários

 




Ademar Rafael - Crônicas de Bem Viver

abril 25, 2022 Por Alexandre Morais Sem comentários


   Edierck José da Silva

   O município de Carnaíba, berço do poeta e compositor Zé Dantas, deu de presente ao Pajeú – entre tantos outros -, mais um artista completo. Sem qualquer viés de bairrismo sempre o qualifiquei como nosso Leonardo da Vinci, quando acionadas as teclas relacionadas com música, escultura e pintura.

  Pode existir outros, minhas limitações não permitiram alcançar outra pessoa que domine com propriedade estas três áreas de produção artística. Edierck é um músico que transita entre o clássico e o popular, tocou com músicos talentosos como Canhoto da Paraíba, Nenel Liberalquino e Djalma Marques; pinta quadros com características que abraçam os estilos bizantinos assim como os encontrados em obras de pintores do nível de Tarsila do Amaral e Di Cavalcanti e cria esculturas em madeira e outros com estilo próprio, utilizando vasta lista de materiais. Consegue transformar o tronco de uma árvore cortada pela mão humana numa obra prima. A praça Arruda Câmara expõe algumas delas.

  Mesmo com essa intensa carga de talento é uma figura desprovida de vaidades e detentor de uma educação admirável. Nunca vi Edierck levantar a voz ou agredir alguém. Com a mesma sensibilidade que aciona as cordas do violão trata as pessoas. Sua residência em Afogados da Ingazeira, além de ser um local com alta carga de energia positiva, é seu atelier e espaço para exposição de muitas das suas várias criações. Até as portas são obras de arte. Pena que pouca gente valoriza seu talento da forma que merece, muitos até ignoram esse imenso potencial.

   Durante muito tempo a tela do meu computar era uma foto de um dos seus quadros. As pessoas que viam a pintura perguntavam de onde era o pintor. Quando eu falava que era um filho do Pajeú todos expressavam sua surpresa e passavam a fazer observações sobre a obra, relatando características que eu desconhecida.

 Em evento realizado na “Budega com prosa”, para lançamento do livro “A mensagem e o verso”, de minha autoria em parceria com Celso Brandão,Edierck chegou de mansinho e fez um verdadeiro conserto antes das declamações. Os que tiveram o privilégio de ouvir o repertório apresentado foram para casa com leveza na alma. Foi uma verdadeira aula de cumplicidade com um projeto cultural. Onde estiver sendo realizada uma reunião que trate de cultura lá ele estará dando apoio.

  Casado com a também educadíssima Olegária, pai de Edierck, Edimarck,Maíra Coracy e Erck Omar e avô de Bianca, Maria Alice e Antônio Benjamin. Dos seus descendentes conheço o primogênito Edinho, que enveredou pelo mundo da música. Esbanjando talento é uma referência em nossa região. Com densa formação acadêmica ampliou o talento que herdou do pai e como seu genitor é uma figura extremamente agradável. A galeria “Pessoas do meu sertão”, ganha muito com seu mais novo integrante. Uma das suas criações integra a Agenda-21, da ECO 92. Vida longa amigo.

Publicado originalmente no Blog do Finfa

abril 25, 2022 Por Alexandre Morais Sem comentários


 

Inscrições prorrogadas para as oficinas da 7ª Mostra Pajeú de Cinema

abril 25, 2022 Por Alexandre Morais Sem comentários

 

   Foram prorrogadas até amanhã, terça-feira, 26/04, as inscrições para as atividades formativas da 7º Mostra Pajeú de Cinema.

   Mantendo a tradição de ofertar espaço para a exibição de filmes nacionais, reflexão e formação a 7º MPC em parceria com o projeto Da Poesia ao Vídeo, facilitada pela produtora Eva Jofilsan Ao longo do encontro serão abordadas as mudanças estéticas do videopoema, após a abordagem teórica, haverá a iniciação da parte prática da oficina, na qual os alunos serão estimulados a roteirizar e produzir suas próprias peças audiovisuais.

  Os vídeos produzidos serão exibidos na noite de encerramento da MPC, no Cine São José. Os encontros acontecerão presencialmente, no Auditório da Secretaria de Assistência Social, de 02 a 06 de maio, das 13h às 17h. Podem participar qualquer pessoa maior de 13 anos. O link para inscrições é https://forms.gle/ZX7Zmik6fxe3zNUu8

  Outra atividade proposta é o encontro sobre montagem cinematográfica, com a montadora paulista Cristina Amaral**, que acontecerá no dia 30/04, das 9h30 às 17h, no formato virtual. Qualquer pessoa do país pode participar desse encontro e aprender com uma das maiores profissionais da montagem de cinema do país. As inscrições podem ser feitas no link: https://forms.gle/iD2FQ18UDUYZap468

  Para mais informações sobre a programação da Mostra Pajeú de Cinema você pode acessar o instagram @mostrapajeudecinema ou o site mostrapajeudecinema.com . A 7ª edição da Mostra Pajeú de Cinema é organizada pela Pajeú Filmes, com incentivo do Funcultura / Fundarpe, Secretaria de Cultura do Governo do Estado de Pernambuco e conta com apoio da Rádio Pajeú AM, Gerência Regional de Educação – Sertão do Alto Pajeú, Secretaria de Educação de Afogados da Ingazeira, Secretaria de Cultura e Esportes de Afogados da Ingazeira, Secretaria de Educação de Iguaracy, Secretaria de Educação de Ingazeira, Secretaria de Educação de Solidão e Secretaria de Educação de Carnaíba.

   Sobre as formadoras:

  Eva Jofilsan é formada em cinema e produtora da Espiral Filmes. Atuou em produções como “A Morte Habita à Noite” (Eduardo Morotó), “Os Ovos da Raposa” (Valdir Oliveira), “A Mulher do Peso” (Mery Lemos) e “Eu Quero Ir” (Pablo Polo), além de mostras de cinema e música.

  Cristina Amaral é formada em Cinema pela ECA-USP, Cristina Amaral é responsável pela montagem de filmes emblemáticos de Andrea Tonacci, Carlos Reichenbach, Edgard Navarro, Joel Yamaji, Carlos Adriano, Paula Gaitán e Raquel Gerber. Seu trabalho mais recente é o documentário “Mato seco em chamas” (2022), de Joana Pimenta e Adirley Queiroz, lançado no último Festival de Berlim e premiado no Festival Cinema du Réel, na França.

quinta-feira, 21 de abril de 2022

Os novos velhos livros de Dedé Monteiro

abril 21, 2022 Por Alexandre Morais Sem comentários

Veratânia e Alexandre Morais, Dedé Monteiro, William Tenório e Bruna Tavares

   Os dois primeiros livros do poeta Dedé Monteiro estão de volta. Com incentivo do Funcultura, Retalhos do Pajeú, de 1984, e Mais um baú de retalhos, de 1995, foram relançados, dia 13, em Afogados da Ingazeira. Novos momentos já estão agendados para maio, dia 13 em Tabira e dia 14 em Tuparetama.

   "Foi uma noite memorável em Afogados. Alem de rever meus livros, revi amigos e artistas que encheram o Cine São José e a mim de alegria", resumiu Dedé Monteiro. O poeta tem outros dois livros publicados, Fim de feira e Meu quarto baú de rimas, mas os dois primeiros são tidos como raridades.

   "O próprio Dedé só tem um exemplar de cada livro original. A gente precisava fazer esta reedição em nome dele e da poesia. É um presente pra todo mundo", explica Alexandre Morais, um dos idealizadores do projeto. Os livros são vendidos em conjunto, no modelo box, ao preço de R$ 30,00.

  Em Afogados, enquanto recebia o público e distribuia autógrafos, músicos e poetas se apresentaram e saudaram o mestre Patrimônio Vivo de Pernambuco. O artista plástico Edgley Brito presenteou Dedé com uma tela alusiva a outro título atribuído a ele, o Papa da Poesia.

O casal Teté e Dedé recebem arte de Edgley Brito


Cego Aderaldo – O canto solitário do Nordeste

abril 21, 2022 Por Alexandre Morais Sem comentários

 

Do Tok de História

   Os cantadores violeiros e repentistas do Nordeste são a maior, mais espontânea, mais pura e mais apaixonante reserva da poesia do Brasil. Cego Aderaldo, o mais famoso patriarca de todos eles, atualmente com 92 anos de idade está morrendo mais de solidão do quê de velhice.
Aderaldo Ferreira de Araújo completa agora 74 anos de escuridão. Nasceu no Crato, Ceará, entre os Canaviais do Cariri, entre caboclos beliciosos e ágeis. Como diria o poeta Jáder de Carvalho.
   Aos 18 anos quando trabalhava de folguista no motor de descaroçar algodão tomou um copo d’água com corpo quente e seus olhos explodiram no mesmo instante. Três meses depois morria ali a mãe, um ano depois o pai e ele ficou só no mundo.
   Sua família passou a ser a escuridão porque ainda hoje dialoga na eternidade de sua noite. Com vergonha de pedir esmola tornou-se cantador.

Cheguei aos 18 anos
perdendo a vista a clareza
não posso enxergar os campos
os quadros da natureza
até de vista tocou-me
esse quinhão de pobreza!
Hoje, não vejo os refolhos
dois lindos cravos azuis,
não vejo o mar cheio de escolhos
mas tenho fé que meus olhos
um dia enxergam Jesus!

Peleja com Zé Pretinho

   Ídolo do povo nordestino, mobilizador de auditórios, centralizador das atenções da massa nas feiras e ajuntamentos, alvo de curiosidade e estima nas grandes cidades, inclusive Rio e São Paulo: enfim, uma figura quase lendária pela sua fama de mais de meio século varando fronteiras, sempre esteve cercado de carinho e de afeto  de alegria e de loquacidade, de risos e gargalhadas, de prestígio e de glória, escancarando a alma dura e rude, simples e boa, em constante sintonia com a sensibilidade de milhares de brasileiros que se criaram ouvindo o nome, as histórias, os versos, principalmente aqueles de sua peleja com Zé Pretinho do Tucum, quem foi publicada em primeira mão pela Tipografia Guajarina, de Belém do Pará, em 1916.

Zé Pretinho:

“Cala-te, cego ruim,
Cego aqui não faz figura;
Cego quando abre a boca
É uma mentira pura;
O cego quanto mais mente,
Ainda mais sustenta e jura.”

Cego Aderaldo:

“Esse negro foi escravo,
Por isso é tão positivo;
Quer ser na sala de branco
Exagerado e Altivo:
Nego de canela seca,
Todo ele já foi cativo.”


   Essa peleja, largamente difundida nos livros de Leonardo Mota, levou o nome do Cego Aderaldo para aos quatro cantos do Brasil, projetando-o além-fronteiras e em diversas línguas. Ano passado (1966), o escritor Robert Lewis, da Universidade de Cambridge, veio diretamente de Londres para o entrevistar no Quixadá. Recentemente, a estudante francesa Anne Arnichand, bolsista da Universidade de São Paulo, esteve em Fortaleza com a finalidade exclusiva de conhecê-lo e fazer um estudo sobre a Literatura de Cordel como um elemento de formação cultural do Nordeste.

Não está na miséria

   Ao contrário do que foi noticiado, o Cego Aderaldo não está na miséria nem passando qualquer privação. Em reconhecimento ao seu valor e a projeção que têm dado ao Nordeste e ao Brasil como uma das maiores figuras do nosso folclore, o velho cantador do povo, que é, por assim dizer, o maior patrimônio humano do Ceará, vem recebendo há já vários anos uma pensão da União, do Estado e da Prefeitura de Fortaleza, de sorte que sua velhice não sofre nenhum dissabor de ordem financeira. Além disso, conta com um “pai rico”, na figura do seu amigo Francisco Pinto, industrial cearense em São Paulo, que não lhe deixa faltar nada, inclusive médico à cabeceira. Atacado, ultimamente, de diabetes, Aderaldo perdeu quase vinte quilos, porém já se encontra em fase de restabelecimento, com vontade de entrar na casa dos cem anos. Só não se conforma com a dieta e com a solidão, pois só gosta de estar “onde tem barulho de gente”. Por ocasião de nossa visita, improvisou;

“Vivo aqui nesse silêncio,
Contra minha natureza,
Sem falar com os amigos, 
Sem ver do mundo a beleza, 
Além de cego sozinho, 
Eu vou morrer de tristeza.”

As três maiores figuras do Nordeste

   Padre Cícero, Lampião e cego Aderaldo são as três figuras marcadamente típicas e legendárias, que por muito tempo ainda viverão na lembrança e no amor das gentes sertanejas. Virgulino Ferreira, o terrível dínamo de energias bárbaras, a espalhar o terror e calafrios na zona de caatinga, marcou, ao longo de sua sinistra carreira de crimes e violências, toda uma fase da vida do Nordeste, que a Sociologia do Cangaço, há despeito da exploração desenfreada e quase abusiva do tema, Ainda não conseguiu caracterizar definitivamente em suas múltiplas facetas.
   Padre Cícero, o grande carismático, o grande taumaturgo de rosário e punhal, o santo que andava meio metros acima do chão, continua a exercer poderosa influência na fé e devoção de milhares de romeiros ou fanáticos que se deslocam dos mais longínquos recantos do Nordeste, muitas vezes a pé, esmolambados e famintos, para pagar ao meu padim, em Juazeiro do Norte, comovidas promessas por milagres e graças alcançadas. É uma figura cada vez mais viva no misticismo de gerações sucessivas. 
   Aderaldo é solteiro, porém, criou e educou 26 filhos. Numa estrofe sentida, confessa:

“Quis casar me, oh, que loucura,
Quando pensei em casar, 
Deixei e fui meditar, 
Fui pensar na vida escura, 
Nesse cálice de amargura,
Que recebo dia a dia,
Ouço apenas melodia,
Acostei-me à flor de um goivo, 
De repente fiquei noivo,
Me casei com a poesia”. 

   É pena que a Comissão Nacional do Folclore nunca se tenha dado ao trabalho de documentar em disco, ou mesmo fita, ao menos uma pequena parte de sua obra.

Texto e fotos de Rogaciano Leite – Jornal do Brasil quarta-feira 14 de junho de 1967, Caderno B, página 5.

Transcrito de https://tokdehistoria.com.br/2022/01/04/cego-aderaldo-o-canto-solitario-do-nordeste/