Lá pelos idos de mil novecentos e oitenta, o Brasil ainda esfregava os olhos para desembaçar a visão e enxergar a distância entre o rico e o pobre, dentro de uma sociedade machista, racista, homofóbica e violenta. Essa seria a mesma sociedade que, mais tarde, iria se perder nos labirintos da história.
Tem muitos pescoços para pouca gravata, e muitos rostos magros sem dentes para sorrir.
Tanta morte, tanta grana, tanto ódio, tanta besteira, e o brilho do sapato espelha o auto-retrato da cara da tirania.
Eu só quero uma razão para viver, um sossego pra dormir, uma rede para deitar o meu cansaço, e por fim, um cafuné.
Eu procuro a beleza num fiapo de linha; na ponta de uma agulha, no silêncio da cozinha, no ranger das enxadas, no desprezo da vizinha.
Às vezes, sou fumaça, às vezes, retidão.
Às vezes, sinto vontade de regressar nos anos e ver os poetas bebendo e cuspindo os verbos que engasgavam, nos copos sujos de um botequim qualquer. A malandragem, mesmo sangrenta, não era tão impiedosa quanto a cúpula dos poderes que encaliçou nas cumeeiras das casas grandes, sacudindo o entulho, a lama e a poeira sobre o pano da nossa consciência.
Foi lá naqueles anos que tive a satisfação de conviver e cantar com o poeta Lamartine Passos, que disse uma vez assim:
“Gritai quando o silêncio ameaçar falar por voz.”
Isso vale um abraço.
< Maciel Melo >