Prêmios: Talentos da Maturidade, promovido pelo Banco Real, o artista
concorreu na categoria Contador de História, com a história “Minha
viola, minha vida”.
Zé Vicente da Paraíba começou a tocar viola na adolescência,
incentivado pelo pai, que o levava para assistir as cantorias de
violeiros nas fazendas próximas a sua casa, tornou-se profissional nos
anos de 1940, tocando ao lado dos Irmãos Batista e Pinto de Monteiro.
Em 1955, gravou o primeiro LP de cantoria. Foi o primeiro do gênero
gravado no Brasil, pela extinta gravadora pernambucana. Na década de
1970 seus versos foram gravados por grandes artistas da MPB (Zé Ramalho,
Alceu Valença, Marília Pêra, Ruy Maurity).
Em 2005 gravou seu primeiro CD intitulado “Zé Vicente da Paraíba,
Viola e Amigos”, com um perfil inovador nesse gênero musical, onde
misturou poesias com violas, coco com Hip Hop, banda de pífano, dando
uma nova sonoridade à cantoria.
Esse trabalho contou com a participação de ilustres repentistas, tais
como, Raulino Silva, Rogério Meneses, Hipólito Moura, Antônio Lisboa,
Edmilson Ferreira, Raimundo Caetano, Severino Feitosa e Daudete
Bandeira, Oliveira de Panelas, bandas de pífanos, o forrozeiro Valdir
Santos, o grande João do Pife, Tavares da Gaita, gênios do improviso e
da poesia nordestina.
Figura lendária da tradicional cantoria paraibana e da cultura
popular brasileira. “O velho cantador” permanece presente entre as novas
gerações da viola como símbolo de grande representatividade
artístico-cultural e exemplo de dom e talento.
dezembro 04, 2022 Por Alexandre Morais1 comentário
Por Nícolas Paulino / Diário do Nordeste
Debochado, irônico, provocador, pecador. Na história cearense, esses adjetivos foram usados à exaustão para descrever o padre Alexandre Francisco Cerbelon Verdeixa,
apelidado de “Canoa Doida”, uma das figuras mais controversas da Terra
do Sol. Ele chega a ser considerado o primeiro anti-herói do Estado por
um de seus biógrafos.
Alexandre nasceu no Crato, em 3 de janeiro de 1803. Por
69 anos, expôs incoerências da sociedade local e sofreu represálias por
isso, de ameaça e prisão a tentativas de assassinato. É o que conta o
historiador Airton de Farias no livro “Canoa Doida”.
Filho de Feliciana
Maria da Conceição, fruto de uma relação extraconjugal, Verdeixa
realizava travessuras desde criança nas cidades onde morou, na região do
Cariri. Jovem irrequieto, também aderiu às forças republicanas da
Confederação do Equador, em 1824, inclusive ajudando a massacrar “corcundas”, como eram conhecidos os monarquistas.
No
entanto, a posição política de Verdeixa variava de acordo com o governo
do momento. Sua bandeira era atacar as oligarquias, criticando práticas
como nepotismo, autoritarismo, corrupção, adultério e falso moralismo.
Alexandre pertencia à
classe média, mas queria se aproximar das elites. Para isso, decidiu
ingressar na vida religiosa (não por vocação), frequentando o seminário de Olinda, em Pernambuco, no
fim da década de 1830. Já em 1831, era vigário em Lavras da Mangabeira,
no Ceará, primeiro palco de suas polêmicas e confusões.
Desde o início, o sacerdote chamava os templos de
“quitandas” e os paroquianos de “queridos fregueses”. Utilizava o
púlpito e os sermões para “atingir e ridicularizar inimigos”, e cobrava
metade do valor pelas celebrações, enfurecendo colegas de batina. Como
defesa, dizia que suas homilias não valiam “nem dois vinténs”.
Poderes sobrenaturais?
Conta o biógrafo que
certa vez o padre confessou uma noiva. Durante a festa de casamento, ele
pegou um chifre de guardar tinta, saiu entre os convidados imitando um boi e jogou o objeto aos pés do noivo, proferindo:
“Um chifre para quem tem chifre”.
Depois, pegou o cavalo e saiu do local, deixando um clima
de velório. O ambiente da cidade se tornou hostil ao padre. Certa vez,
até sofreu um atentado.
Chamado para ministrar
sacramentos a um morimbundo, trocou a batina pela roupa de seu
acompanhante, que ficou vestido de padre. No caminho,uma bala saída do meio do mato matou o inocente,enquanto Canoa corria em disparada.
Devido a essas e outras situações, acreditava-se que Verdeixa tinha o “dom” de prever tragédias, o que o possibilitava escapar de emboscadas e de acidentes.
Depois de acumular inimizades tanto em Lavras como Icó,
ele partiu para Fortaleza em 1835. Lá, se indispôs com o então
presidente provincial (governador), José Martiniano de Alencar.
Verdeixa o chamava de
“padre Cobra” e propagava boatos maldosos a seu respeito. Alencar
retribuía mandando capturá-lo e surrá-lo, mas Canoa sempre "escapulia".
Alencar saiu do governo em 1837, e Alexandre assumiu o cargo de juiz de
paz (hoje semelhante a delegado) em Baturité.
O
homem utilizou seu poder para, na eleição de 1840, prender todos os
eleitores da oposição, usando das mais diversas e mirabolantes
justificativas. No fim, obviamente, o candidato apoiado por ele venceu.
Inconstante, rompia com políticos com facilidade e por isso era perseguido, mas sempre fugia. Apesar de ser persona non grata para alguns, também desfrutava “da simpatia e apoio de certos segmentos sociais, tanto que foi eleito duas vezes deputado provincial”, conta Airton.
Por que Canoa Doida?
O apelido pelo qual ficaria conhecido nos livros de história foi dado quando Verdeixa morou em Aracati. Aparentemente, ele se movia torto, curvado, “a passos curtos e rápidos”, em movimento semelhante à embarcação.
Curiosamente,
não há fotos ou desenhos retratando a icônica figura, segundo o
biógrafo. Relatos escritos o descrevem como um homem alto e magro,
“desengonçado”, de cara “ossuda”, queixo pontudo e orelhas grandes.
A falta de dotes
físicos foi suprida por uma “inteligência incomum” e “língua afiada”,
tornando-o um precursor da cultura do Ceará Moleque, ideia em que o
humor se integra ao cotidiano social.
Pecados e punições
Como narrado até aqui,
Canoa Doida não era muito afeito a regras. Tanto é que desrespeitou
várias da própria Igreja Católica, principalmente a abstinência sexual:
dava em cima de várias mulheres e chegou a ter quatro filhos (duas moças e dois rapazes que morreram na Guerra do Paraguai).
Por sua conduta inadequada, o bispo pernambucano D. João
Perdigão, também responsável pelo Ceará, chegou a proibi-lo de celebrar
missas e administrar sacramentos. Canoa disse que era vítima de inveja e
conseguiu uma pena mais branda. Porém, mal seu superior foi embora, o
padre voltou a aprontar.
Em 1841, o governo da
província o nomeou professor de latim em Tauá. Canoa nem saiu de
Fortaleza, por querer próprio, mas a Câmara de Tauá também se
movimentou: recusou a chegada dele para “prevenir inconvenientes” por saber dos “barulhos” que o padre causava.
No mesmo ano, Verdeixa foi preso por ser oposição
agressiva ao governador Joaquim Coelho. Condenado a oito anos com
trabalhos forçados, foi liberado em 1843.
Nos anos seguintes, sofreria “vários processos, condenações, prisões e tentativas de assassinato”.
Em 1847, por exemplo,
quando era vigário em Soure (hoje Caucaia), foi acusado injustamente da
morte de um professor de quem era declaradamente inimigo, mas logo foi
inocentado. Tempos depois, escapou por pouco de uma tijolada que lhe
seria fatal.
Ao longo da carreira, o homem também foi acusado de diversos crimes paroquiais, como
tornar públicos segredos de confessionário caso não lhe pagassem
suborno; roubo de objetos e negligência na conservação de templos,
dentre outros.
Um bom político?
1848 marcou seu primeiro ano como deputado provincial, além de primeiro capelão do Cemitério de São Casimiro.
Já naquela década, ele defendia ideais de abolição da escravatura
(embora tivesse um escravo que sempre o acompanhava) e de proteção ao
meio ambiente.
Em seus discursos, condenava as oligarquias e “recusava
curvar-se aos governantes e poderosos, fossem eles liberais ou
conservadores”. Chegou a chamar a Assembleia Legislativa de “ilustre
casa das mamatas”.
Além
disso, reclamava da pouca assistência governamental às vilas do
interior do Estado e condenava a concentração de investimentos em
Fortaleza: “não é possível que só a Capital seja a bem-aventurada”,
chegou a dizer.
Em atitude ousada, em 1864, Canoa Doida propôs a criação da “Empregópolis”,
colônia penal agrícola que seria destinada não só a criminosos
“comuns”, mas a profissionais que recebiam salário sem trabalhar - em
clara alusão aos colegas parlamentares e outros funcionários públicos.
Seus discursos ganhavam ressonância em vários periódicos
que criou quando assumiu o cargo, nos quais batia em todos os
adversários, fossem governantes, policiais, sacerdotes ou outros
jornalistas. As pessoas “entravam em pânico” ao abrir as páginas, conta
Airton de Farias.
Acumulando inimigos no local, foi cassado durante seu segundo mandato e não terminou a legislatura.
Fim da vida
Depois de arranjar
confusão em praticamente todo o Ceará, Canoa Doida encerrou suas
atividades sacerdotais em Baturité e Pacatuba. No início dos anos 1870,
foi recolhido de favor na casa de um amigo, em Aracati.
Doente e idoso, tornou-se amargo até com quem o acolhia
de bom grado. Com a piora no quadro de saúde, pediu transferência de
barco para a Capital. Faleceu na Santa Casa de Fortaleza, em
17 de outubro de 1872, depois de entregar a uma freira um pacote com os
400 mil réis conquistados pela venda de seu único escravo.
Apesar de
“figura esquecida pela historiografia tradicional”, na leitura de Airton
de Farias, “ninguém conseguiu silenciar o matraca”. “Seu nome e
peripécias continuam ainda a atazanar os hipócritas”, reflete.
Copiado de https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/ceara/conheca-canoa-doida-padre-anti-heroi-que-subornava-fieis-e-foi-proibido-de-celebrar-missa-no-ce-1.3307412