domingo, 6 de dezembro de 2020
Crônicas
Mais uma vez valho-me da linda arte de Marcos Pê para ilustrar minhas publicações. Hoje trago uma crônica. Coisa nascida do olhar cotidiano. Coisas e pessoas nos inspiram. Claro, a transcrição nem sempre é real. Aqui faço um ajuntado de gentes. Só achei de batizar como Elisa. Todo o meu respeito as Elisas que são elas mesmas.
Elisa
Se viveu eu não sei, mas
que cresceu, cresceu. Tá bem crescidinha. Cresceu em corpo e idade. Não
proporcionalmente, porque fisicamente ela cresceu melhor. Deve ter sido essa
tal lei da compensação.
Não sei porque as vezes se
compensa o nada. Mas com Elisa foi assim. Cresceu entendendo muito de nada e de
nádegas. E se o nada não a levou a nada, as nádegas a levaram a tudo.
Logo Elisa que na escola
só desfilava. Desfilava vaidades e mancadas. Foi ela que disse a professora de
Geografia que não falaria sobre a Chechênia porque a aula não era de corpo
humano. Também se negou a fazer uma prova oral porque só sabia o assunto de
escrever e não de dizer. Contam que foi ela que disse que Drummond inventou o
avião. Essa seria até aceitável pela semelhança fonética se Elisa não já
contasse idade de vestibular naquela época.
Não podia ser diferente. O
jornal chegava pesado de notícias e Elisa espalhava todas as páginas em busca
do horóscopo. Com anos neste ofício e ainda procurava o horóscopo no caderno de
economia. Na edição do domingo ia além. Lia também o resumo das novelas. E tome
festa e tome shopping; e roupas e saltos, e sol e salão.
Não demorou e Elisa virou
madame. Casou com um rapaz que de tão ocupado com os negócios não teve tempo de
ver o nada de Elisa. Viu as nádegas. Paga por elas até hoje. E tome shopping e
roupas e saltos e jóias e carros e viagens e tudo de novo o ano todo.
E lá está Elisa sem
assunto nas rodas sociais. Tem colega madame que não trabalha, mas tem
profissão. É advogada, é publicitária, é arquiteta. Tem administradora que uma
vez por semana dá expediente na empresa do marido e se diz a peça mais
importante daquele negócio. Outra esbanja conhecimentos em artes plásticas e
música clássica. Fala em Picasso e Elisa solta um riso de vergonha. Fala em
Chopin e Elisa fica pensando o que é que isso tem a ver com cerveja. E ainda
aparece uma falando em inglês, francês e espanhol.
Mas Elisa é Elisa. Não
deixa por menos. Faz que entende, inventa, se passa por igual. Sempre dá um
jeitinho de parecer ser.
Que cara lisa a de Elisa.
Autor: Alexandre Morais
quarta-feira, 2 de dezembro de 2020
Crônica de Maciel Melo, o Caboclo Sonhador
Maciel Melo na Barragem de Brotas, em Afogados da Ingazeira, Sertão do Pajeú, Pernambuco. / Foto: Claudio Gomes |
De repente, tudo nublou. Uma nuvem em forma de rosto, enfurecida, se agiganta e começa a nevoar. O horizonte cinzento, o caminho deserto; nada vejo à minha frente. O espelho retrovisor reflete os coriscos que rasgam os céus distantes que deixei para trás. Estou à deriva, numa estrada estreita e triste, a mercê dos ventos que uivam tenebrosamente, assobiando uma melodia estranha, prenúncio de uma epopeia negra, prestes a ser encenada no palco das ilusões.
Não dá pra prosseguir, também não posso parar; regressar é impossível, pois o tempo se fecha, a chuva é de pingo grosso.
Acendo os faróis de neblina, mas o negrume do asfalto embaça-me a visão.
Paro, penso, oro e rogo a Deus um pouco de misericórdia. Viajar é preciso, viver é imprescindivelmente necessário nesse momento, pois tenho duas criaturas belas à minha espera, e prometi levar dois metros de chita pra fazer dois vestidos, e levá-las para passear nos verdes campos do azul do céu de minha terra.
Vou esperar desanuviar para seguir. O acostamento da estrada mal dá para estacionar uma bicicleta, pois uma banda do guidom ficaria na pista e a outra, no mato.
Olho à minha frente, alguma coisa esvoaçante me chama atenção. Chego mais perto, é um pedaço de pano verde-amarelo-azul-e-branco pendurado no galho de uma frondosa árvore, como uma biruta, indicando a direção dos ventos.
Hen-hem! Em outra dimensão, seria uma flâmula, encheria nosso peito de orgulho, e nos sentiríamos fortes e protegidos sob o seu manto sagrado, aquecendo-nos do frio e aninhando nossas esperanças no berço esplêndido de uma nação sã e salva, livre e inteligente.
Enquanto o tempo não estia, vou pernoitar por aqui, exilar-me em algum abraço onde exista para-raios e, quem sabe, o amanhã não amanheça tão nublado assim.
Natal todo dia - Um poema de Natal
Se em épocas como o Natal nos tornamos mais reflexivos, estas mesmas épocas podem nos impulsionar a ser mais reflexivos em todos os tempos. De repente, uma provocação.
Este trabalho nasceu poema com Alexandre Morais e virou vídeo em comunhão com a tela de Edgley Brito. Trabalhos semelhantes podem ser vistos no mesmo link em que o vídeo será aberto. Vai lá. Assiste, comenta, compartilha. Vamos ser Natal todo dia.