segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

A lição do sono do rio

fevereiro 27, 2023 Por Alexsandro Acioly Sem comentários





 

A lição do sono do rio

    Contam os canoeiros do São Francisco que o rio, na hora grande da meia-noite, dorme dois minutos. É a hora em que a vida se assossega e o mundo se recolhe: as cachoeiras interrompem a queda, a correnteza cessa e Paulo Afonso silencia. 

    Os ribeirinhos aprendem que não se deve acordar o rio durante o sono

    Nos dois minutos de sono do rio, os peixes se aquietam, as cobras perdem a peçonha e a mãe d´água se levanta para pentear os cabelos nas canoas. Os afogados saem do fundo das águas em direção às estrelas. O sono do rio não deve ser interrompido, sob pena de endoidecer quem despertou as águas. 

    Matuto a respeito do que os ribeirinhos ensinam sobre o descanso do rio e concluo que vez por outra é mesmo necessário adormecer no tempo e sossegar como as águas.

    O ritmo da nossa sociedade – marcado pelo fascínio das máquinas, o ruído dos motores, a precisão dos relógios, a velocidade das informações simultâneas e a procura feérica da felicidade – acelera a vida e desencanta o tempo. Por isso é preciso, vez por outra, adormecer feito o rio ao abandono das horas, se aluar em águas paradas e abandonar os desatinos da felicidade.

    O sono do São Francisco, o desapego dos peixes e o silêncio das cachoeiras me fazem crer que a expectativa da felicidade, da forma como a sociedade de consumo lida com ela, é das coisas mais brutais que existem.

      Parece paradoxal, mas a expectativa da felicidade é uma fonte poderosa de angústias e desassossegos. 

   Que os caboclos do Brasil me iluminem para que eu respeite o sono do rio, o repouso dos peixes e o voo dos afogados. Que o país imaginado, e em mim recolhido, me ensine a viver na síncopa, no drible, na dobra do tambor, na oração dos romeiros, na dança lenta de Oxalufã, nas delicadezas do Reizado, nas rodas de cirandas, nas oferendas do Divino, na suavidade dos sons bonitos e na imponência calada das gameleiras.

     Nosso mundo, de tão virtual, anda meio desvirtuado – e eu quero cada vez mais ter o tempo de adormecer o rio, aquietar os peixes, sossegar as cachoeiras e me encantar com a Uiara a envaidecer canoas.


Luiz Antonio Simas, Pedrinhas miudinhas: 2012

Ilustração: Betânia Zacarias

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

No bar todo mundo é igual: Reginaldo Rossi e suas centenas de casos de amor

fevereiro 24, 2023 Por Alexandre Morais Sem comentários

The Silver Jets Créditos: Reprodução/Globo

Por Matheus Bomfim e Silva / IMMuB

    Reginaldo Rodrigues dos Santos, nascido no dia 14 de fevereiro de 1943 no Recife, conhecido nacionalmente como Reginaldo Rossi, famoso por diversas canções românticas taxados por muitos de brega, como “A raposa e as uvas”, “Leviana”, “Em plena lua de mel”, “As quatro estações”, a lista é grande, contudo, seu maior sucesso é “Garçom”, e isso pode ser explicado pelo próprio Rossi:

   “Minhas músicas tocam no iPod do desembargador e no radinho de pilha do porteiro porque, independentemente da classe social, todo mundo sofre por amor e gosta de ouvir canções românticas. Quando um homem leva um chifre, o diploma cai da parede”

   Reginaldo vem de uma família de classe média, foi estudante de Engenharia Civil e dava aulas de reforço de matemática. Assim como diversos jovens, também foi influenciado pelos Beatles, iniciou sua carreira musical em 1964, com o grupo The Silver Jets.

   “A gente sentia que estava para o Nordeste como os Beatles estavam para o mundo”, Reginaldo Rossi sobre o grupo.

Primeiro LP solo de Rossi, lançado em 1966 pela Chantecler

   Aqui já se tem algo importante sobre a carreira de Rossi, nem sempre ele foi o “Rei do Brega”, ele começou no rock, fez parte da onda da Jovem Guarda.

   Uma das músicas desse disco se chama “O pão” com uma sonoridade e letra típica do amor bobo da Jovem Guarda:

“Olha, nunca mais eu quero saber de você
Pois imenso amor que eu lhe dediquei
Você não ligou e nem se quer notou
Olha, você maltratou meu pobre coração
Fez uma bolinha e jogou no chão
E a chorar deixou e sem dizer adeus[...]”

   Em 1972, já pela CBS, Rossi lança o LP “Nos teus braços”, e nesse disco tem um clássico de seu repertório, Mon amour, meu bem, femme:

“E nada existe em você
Que eu não ame
Sou metade sem você
Mon amour, meu bem, ma femme[...]”

   Em 1976, Rossi lança uma canção que também é digna de nota, “Um romance que ninguém leu”:

“E só por mim, eu vou lutar
Se vou! Aham!
Pois, pra você eu vou provar
Que eu não sou
Uma roupa que se estragou
Uma chuva que não molhou
A semente que não nasceu
Uma fonte que já secou
Um perfume que não cheirou
Um romance que ninguém leu”

   Em 1980, pela Jangada/ EMI-Odeon, lançou o LP “A volta” e justamente  a faixa “Volta”, composição de Rossi e Dom Pixote, fez bastante sucesso na época.

“Volta, vem me ver aqui chorando
Vem ver eu me matando
Vem depressa, vem me amar
Volta que eu estou ficando louco
Morrendo pouco a pouco
Por não poder te abraçar”

   A partir da década de 1980 se percebe que as canções de Reginaldo Rossi vão tornando a forma com que ele é conhecido hoje, as letras não era mais sobre “brotos” como na Jovem Guarda, aquela temática ingênua do “iê-iê-iê” e ficando mais carregadas em sentimentalismo e mais melodrama. Isso pode ser notado na canção “Meu fracasso”, composição do próprio Rossi, lançada em 1981, no LP “Cheio de Amor”:

“Me dê um pouco de atenção
Quero abrir meu coração
E lhe contar do meu fracasso
Amo demais uma mulher
Que agora diz que não me quer
Que sente amor em outros braços
Mas, ela pode ter desejo
Suspirar com outros beijos
Ter prazer em outros braços
Mas, amor, sei ela não tem
Amar como eu ninguém
Eis aí o meu fracasso
Me dê um pouco de atenção
Quero abrir meu coração
E lhe contar do meu fracasso”

   Veja como a letra não é grande, o verso principal é bastante repetido, quem escutar vai perceber isso, contudo, essa forma “simples” ajuda a grudar nos ouvidos e o povo gosta de músicas fáceis de lembrar, basta lembrar de clássicos como “Eu não sou cachorro, não” e “Tortura de amor”, de Waldick, que possuem a mesma base, a mesma estrofe repetida, sem diversos versos . Ou até mesmo “Cadê você?” de Odair José, regravada pela dupla Leandro e Leonardo.

   O documentário “Reginaldo Rossi, meu grande amor” mostra que Reginaldo Rossi tinha consciência do estilo de composição que seria popular, ele se mostra bastante entendido de teoria musical e como fazer canções para o gosto popular.

   Contudo, o maior sucesso de Rossi não segue estritamente essa regra de poucos versos, mas a temática era extremamente popular, pois, como o próprio já disse, todo mundo já sofreu por amor. Em 1987, é lançado o LP “Teu melhor amigo”, disco que incluía a faixa “Garçom”, porém, diferente do que se pode imaginar, a canção não foi sucesso nacional naquele momento, somente no nordeste, região onde até hoje Reginaldo Rossi é bastante querido e lembrado.

“Garçom
Aqui, nessa mesa de bar
Você já cansou de escutar
Centenas de casos de amor”

   Em 1995 foi lançado um clipe da canção e a partir disso ela dominou o país. E foi na década de 1990 que se iniciou a criar essa imagem de “Rei do Brega”, termo este que nem o próprio Reginaldo gostava, pois tinha consciência da carga pejorativa dele. Lembrando que na década de 1970 era usado o termo cafona, para artistas como Waldick Soriano, Odair José, Nelson Ned, Paulo Sérgio, etc. A partir da década de 1980 o termo brega começou a ser usado. Mas como ele viu que não tinha escapatório, além da mídia, o próprio povo abraçou o “brega”, ele aceitou o personagem do rei do brega.

“O brega é a linguagem do povo. Não tem essa de ‘data vênia’, ‘metamorfose do meu ego’, ‘infraestrutura do meu ser’ e coisa e tal.” Reginaldo Rossi

   Reginaldo Rossi tem um admirador bastante famoso, Julio Iglesias, que não precisa de apresentações. Em 1991, o cantor espanhol estava em Pernambuco e quis conhecer Rossi, elogiou sua voz, dizendo que o recifense cantava melhor que ele. 

Julio Iglesias e Reginaldo Rossi em hotel no Litoral Sul pernambucano. (Foto: Fernando Gusmãoo/DP/D.A Press) Créditos: Diário de Pernambuco

    Em 1997, Rossi grava o disco “Última canção”, é a primeira faixa, uma regravação da clássica canção eternizada na voz do cantor capixaba Paulo Sérgio, assim Rossi, de maneira consciente ou não, afirma e endossa a importância e o legado de Paulo Sérgio, acusado de ser uma cópia barata de Roberto Carlos e de cafona mas que foi extremamente famoso no gosto popular. No mesmo disco Rossi gravou também “Se meu amor não chegar”,  sucesso na voz do também chamado de brega, Carlos André.

“Não posso mais, eu confesso
Confesso que vou chorar
Hoje quebro essa mesa
Se meu amor não chegar”

   Reginaldo Rossi também era apaixonado pela sua cidade natal, Recife, demonstrando essa paixão em mais de uma música, como em “Recife” presente no disco “A volta”, já citado neste texto.

“Existem muito mais coisas bonitas em Recife
Além das praias e do Sol
Existe toda uma cultura
Que ferve com o frevo
E que se cala e estremece
Sob o som dos Maracatus de Baque virado”

   E Recife até hoje retribui o amor, a capital instituiu o brega como patrimônio cultural imaterial. Além disso, no centro de Recife existe uma estátua em homenagem a Reginaldo Rossi.

Arnaldo Sete/DP, Diário de Pernambuco

   Reginaldo Rossi faleceu em 2013, em decorrência de um câncer no pulmão. Se não fosse por isso, estaria completando 80 anos dia 14 de fevereiro agora em 2023. Depois de 10 anos sua obra continua presente no imaginário popular, encantando diversas gerações, pois, repetindo o que já foi dito anteriormente, todo mundo sofre por amor, a identificação com seu repertório é imediata. Brega mesmo é ter vergonha de mostrar os sentimentos.

“Quando você foi embora
Os dias pra mim foram tristes demais
Nunca pensei que você
Fizesse a falta que agora me faz”

Transcrito de https://immub.org/noticias/no-bar-todo-mundo-e-igual-reginaldo-rossi-e-suas-centenas-de-casos-de-amor

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Imperatriz Leopoldinense é a campeão do Grupo Especial no Rio

fevereiro 22, 2023 Por Alexandre Morais Sem comentários

Com Matheus Nachtergaele como Lampião, Imperatriz Leopoldinense é a grande campeã do Carnaval do Rio de Janeiro

Folha PE e R7
 

   A escola de samba do Grupo Especial Imperatriz Leopoldinense, com um total de 269,8 pontos, é a campeã do carnaval de 2023, com o enredo do carnavalesco Leandro Vieira O aperreio do cabra que o excomungado tratou com má-querença e o santíssimo não deu guarida, que fala do cangaceiro Lampião e sua chegada no céu.

   O enredo foi inspirado nos cordéis A Chegada de Lampião no Inferno e O grande debate que teve Lampião com São Pedro, de José Pacheco. A escola de Ramos obteve nesta quarta-feira (22) o seu nono título.

  Em rede social, Leandro Vieira falou como desenvolveu o enredo campeão: Leandro Martins falou de como desenvolveu o enredo:

   “Eu me debruço na “peleja” inverossímil e delirante dos cordelistas que, após a morte do cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva, o famoso Lampião, transformaram em bem-humorado desvario ficcional o destino pós-morte do mítico e controverso personagem. Assim, são os velhos, anedóticos e populares cordéis sobre o tema (como A chegada de Lampião no infernoO grande debate que teve Lampião com São Pedro ou A chegada de Lampião no céu) que servem de mote principal para o brasileiríssimo universo artístico desse mergulho”, disse.

   Em segundo lugar, ficou a agremiação Unidos do Viradouro, de Niterói, região metropolitana do Rio, e, em terceiro, a Unidos de Vila Isabel. Já a escola Império Serrano foi rebaixada para a Série Ouro.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Afogados da Ingazeira e a Escola Padre Roma

fevereiro 14, 2023 Por Alexandre Morais Sem comentários

Por: Alexsandro Acioly

Historiador e Pesquisador (CEPEDOC-Pajeú)

 

   Em reunião no Recife a 01 de fevereiro de 1917, onde estavam presentes algumas autoridades como o Governador de Pernambuco, Manoel Antônio Pereira Borba (Manoel Borba), o prefeito da Cidade do Recife, Manoel Antônio de Morais Rego, o Dr. Oliveira Lima e o Secretário Geral, Mário Mello, foi aprovado que o Instituto Arqueológico entrasse em contato com todas as autoridades do Estado e dos municípios para que fossem instaladas, em 06 de março, escolas em homenagem aos mártires da Revolução Pernambucana de 1817, ideia esta que foi abraçada por vários municípios do nosso estado.

Figura 1-DP 05 de março de 1917 (A escola é instalada em Afogados da Ingazeira e não em Ingazeira)

O ponta pé inicial foi dado pelo padre da cidade de Garanhuns, o Vigário Lyra, que tratou de angariar recursos e meios para que fosse instalado o “Colégio Frei Caneca”. Afogados da Ingazeira também fez a sua parte e em 06 de março de 1917, no Paço Municipal, foi realizada uma Sessão Magna presidida pelo Dr. Agripino F. Nogueira Lima, a convite do Major José Osório, Presidente do Governo Municipal. Nesta sessão foram secretários os ilustríssimos Srs. Coronel Luiz de Góes e o Major Antônio César.

A fala inicial do Dr. Agripino foi em torno do significado histórico da “Data Magna” e posteriormente falou da importância de cada um dos membros participantes da Revolução que seriam homenageados com o nome das escolas, principalmente sobre a pessoa do “Padre Roma”, principal homenageado. Em seguida, anunciou a instalação da Escola Padre Roma na próspera cidade de Afogados da Ingazeira e encerrou o discurso agradecendo ao poder municipal e falando do engrandecimento que seria esta obra educacional idealizada pelo Governo do Estado.

Figura 2-DP 12 de abril de 1917

Em seguida à instalação da escola teve a palavra o orador oficial, Coronel Luiz de Góes, destacando os feitos heróicos do Padre Roma e encerrou com um apelo aos presentes e em especial aos sucessores “para que zelassem como um legado precioso” a mais nova escola municipal.

Também estiveram presentes à sessão o vigário Padre Carlos Cottart; os senhores José e Décio Padilha; os coronéis Elpídio Padilha e João Vidal, este último creio eu que seja filho de Jovino Vidal (proprietário e morador à época da atual Cúria Diocesana).

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

Cariri Cangaço 2023 - Agenda

fevereiro 10, 2023 Por Alexandre Morais Sem comentários


    Se o ano de 2022 foi extraordinário com as edições em Paulo Afonso, Piranhas, Serra Talhada, Calumbi e Bom Nome, o ano de 2023 promete com uma agenda realmente ousada e sensacional, vem ai: Princesa Isabel, São José de Princesa-Patos de Irerê, Triunfo, Mossoró, Campina Grande, Ingá e muito mais...

Manoel Severo, Curador do Cariri Cangaço

   O Cariri Cangaço volta a Princesa e Patos de Irerê, na Paraíba; marco espetacular do Território Livre de Princesa, as ligações perigosas do Coronel Zé Pereira, Marcolino e Lampião, o lendário Casarão de Patos; e chega pela primeira vez em Triunfo, uma das cidades mais bonitas de Pernambuco e do Brasil; cheia de história, tradição e cangaço, numa das mais aguardadas agendas do ano Cariri Cangaço, num consórcio inédito entre os estados da Paraíba e de Pernambuco. Será entre os dias 23 a 26 de março de 2023. 

   No mês de junho o Cariri Cangaço desembarca pela primeira vez no estado do Rio Grande do Norte e na emblemática Mossoró, no oeste potiguar; terra do Chuva de Bala e do ataque de Lampião em 13 de junho de 1927; a trama do ataque, o cerco, a resistência sob o comando de Rodolfo Fernandes, a morte de Jararaca - o santo cangaceiro. Aqui seremos recebidos pelo Fórum do Cangaço da SBEC e pelos Diálogos Paulo Gastão, numa iniciativa extraordinária entre a SBEC e o Cariri Cangaço. Será entre os dias 09 a 11 de junho de 2023. 

   Antônio Silvino, outro emblemático personagem da saga sertaneja do cangaço, com trajetória também marcante e longeva nas caatingas nordestinas, mas pouco estudado. Em novembro o Cariri Cangaço traz até você pela primeira vez; a partir da Serra da Borborema e das cidades de Campina Grande e Ingá; a extraordinária história do Rifle de Ouro - A Saga de Antônio Silvino, numa inciativa ousada e inédita. Será entre os dias 30 de novembro a 02 de dezembro.

   Cariri Cangaço, Território de Grandes Encontros, sempre...

   Agora é com você, vem com a gente; Avante!

   Manoel Severo, curador do Cariri Cangaço.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

Jó Patriota, o Rei do Lirismo

fevereiro 09, 2023 Por Alexandre Morais Sem comentários


Jó Patriota

Por Marcos Passos

Job Patriota de Lima, Jó Patriota, filho de Geminiano Joaquim de Lima e Rita Neves da Silva, nasceu em 01 de janeiro de 1929, no sítio Cacimbas, localidade de Itapetim, que na época pertencia a São José do Egito. Viveu, durante a infância, na zona rural, com os seis irmãos. Sua primeira viola foi presente da irmã Maura, que o incentivava a desenvolver esse mérito artístico. Morou, desde a juventude, em São José do Egito.
Casou-se com a poetisa Das Neves Marinho (filha do poeta
Antônio Marinho), com quem teve dois filhos: Antônio de Marmo (Nõe) e Adriano Marques (Didi). A sua primeira viagem como cantador, muito jovem, foi com o repentista José Vicente da Paraíba, com a permissão de Geminiano, seu pai. Nunca foi mercenário e não cansava de dizer: “Se eu pudesse, pagava pra cantar”. Durante toda sua vida de cantador, enfrentou nomes famosos como o próprio Zé Vicente, Pinto do Monteiro, Lourival Batista, primo e concunhado, Manoel Xudu, Ivanildo Vila Nova e mais uma gama de valores poéticos de enorme poder de improviso.
O “Rei do lirismo” participou de vários Congressos e escreveu Na Senda do Lirismo, reeditado recentemente. Jó foi, inquestionavelmente, um dos nossos mais extraordinários poetas. Aparece em muitos livros no Nordeste brasileiro.
Irrequieto e com espírito de criança, ria e chorava concomitantemente. Quando cantava, se transportava a uma
dimensão onírica, pra trazer, do bojo de sua alma lírica, seus
versos, que nos deixava, a todos, embevecidos.
Da Senda do Lirismo, algumas preciosidades sertanejas
de Jó Patriota:

Nas águas do Pajeú,
Eu senti mais poesia,
Admirando o remanso,
Onde o vento rodopia,
Uma avalanche de espumas
Que a correnteza trazia.

Eu, às vezes, me admiro
Da abelha fazer o mel;
Um gavião espantar-se
Com papagaio de papel
E uma lagarta de fogo
Fazer medo à cascavel.

Pra falar de natureza,
Todo poeta se empenha.
Desde a paisagem bonita,
Até as queimadas da brenha,
Decifrando o monograma
Que o fumaceiro desenha.

Onde vê-se a alegria
Do passarinho saltitante,
Onde a música é mais brilhante
E é mais pura a poesia.
A matuta que assobia,
Numa apanha de algodão,
Tem mais valor que a canção
Dos boêmios de Paris...
Eu só me sinto feliz,
Porque nasci no sertão.

Glosando no mote do mestre Manoel Filó:

A paisagem no campo: que beleza,
Onde Deus escreveu o seu poema!
Cada árvore parece com um cinema,
Pelo filme da mão da natureza.
Pelo gado de toda redondeza,
O capim, pelo chão, fica pisado;
Como todo consolo, machucado,
Tem o cheiro do hálito da criança.
Toda sombra de pau, que um boi descansa,
Deixa um cheiro de pasto mastigado.

O boi manso na luta mais insana,
Quando pode livrar-se do carreiro,
Vai sentir o frescor do marmeleiro
E o perfume da flor de jitirana;
Num recanto, afastado da savana,
Ele vai ruminar mais sossegado,
Escutando um sussurro magoado,
Que escapa da voz da brisa mansa.
Toda sombra de pau, que um boi descansa,
Deixa um cheiro de pasto mastigado.

A estrofe seguinte foi retirada do livro Poetas Encantadores, de Zé de Cazuza, onde Job canta o mote que lhe foi dado:

Minha terra, família e camarada
Me fizeram chorar na despedida.
Recordamos aqui, dias inteiros,
As belezas que vemos no sertão:
Prado, jogo, novena, apartação,
Repentistas, poetas, sanfoneiros;
Vaquejadas, cavalos e vaqueiros,
A fazenda fantástica e distraída;
Balcão, copo, garrafa de bebida,
Futebol, cantoria, cavalhada,
Minha terra, família e camarada
Me fizeram chorar na despedida.

O poeta Pedro Américo enviou para a família do poeta uma flâmula com a bela estrofe de Jó, de quem era grande amigo e admirador:

Eu, na derradeira ânsia,
Guardarei, no coração,
As paisagens do sertão
Que contemplei na infância.
Dos ventos, a ressonância;
Das águas, a sinfonia;
As cores do fim do dia
E o rosto da lua nova.
Morrendo, eu levo, pra cova,
Os sinais da poesia.

FestCine Itaúna abre inscrições para quatro mostras competitivas

fevereiro 09, 2023 Por Alexandre Morais Sem comentários

Imagem: Divulgação

   Foram abertas as inscrições para a 4ª edição do FestCine Itaúna - Festival Internacional de Cinema de Itaúna, que acontece entre os dias 19 e 23 de julho, na zona rural de Caruaru, na Vila Itaúna, Agreste do estado. São quatro mostras competitivas em disputa, mas o prazo das aplicações expiram um mês antes, no dia 23 de junho.

  Durante uma semana, serão exibidos, na praça principal do povoado, curtas-metragens e longas-metragens nacionais e internacionais, além de vasta programação cultural. O FestCine Itaúna conta, desde sua primeira edição, com um Júri Jovem composto por jovens da zona rural e urbana de Caruaru, Prêmio da Crítica e Júri Oficial.
   Os interessados devem se inscrever no site da Film Free Way. Serão aceitos curtas-metragens de até 30 minutos e longas-metragens com duração mínima de 60 minutos.
   Os filmes, que concorrem ao "Troféu Cururu de Ouro", escultura produzida pelo Mestre Horácio Rodrigues do Alto do Moura, serão divididos em quatro mostras competitivas: Itaúna (curtas produzidos por estudantes brasileiros do ensino fundamental ou médio de escolas públicas ou privadas), Cururuá (curtas produzidos por estudantes brasileiros de faculdades, universidades ou cursos / workshops / oficinas), Anu-Preto (curtas-metragens nacionais ou internacionais) e Mocó (longas-metragens nacionais ou internacionais).
   A programação do FestCine Itaúna é totalmente gratuita. A realização é do produtor e diretor Paulo Conceição, a produção é da Associação Bacurau Cultural. Mais informações pela mídia social do evento ou pelo site,
   Paulo Conceição além de produtor cultural é realizador audiovisual, educador, oficineiro, ator, maquiador, foi homenageado pela ALEPE - Assembléia Legislativa de Pernambuco e condecorado com a "Medalha Álvaro Lins de Honra ao Mérito" pelo Poder Legislativo de Caruaru por atuação e relevância artística e cultural no município.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

Legião Urbana - As quatro estações de uma década

fevereiro 06, 2023 Por Alexandre Morais Sem comentários



Por João Gabriel - IMMuB 

   “Parece cocaína, mas é só tristeza”, talvez isso possa definir 1989, uma excitação triste tal qual a cocaína. De um Brasil que já podia votar, mas ainda vivia afogado em dívidas. Um Brasil que tinha um rock que trazia esperança pouco a pouco tendo sua luz apagada. Em 1989, Cazuza já estava agonizando os males do HIV, ninguém já nem lembrava mais o que era a Blitz que se separou em 1986, mesma época que explodiu um tal de RPM que em 1989, já estava vivendo seus últimos dias. Ou seja, o fim dos anos 80 talvez fosse um 31 de dezembro de um ano que não queria ou deveria acabar. Tudo foi muito intenso, muito selvagem e inocente, mas teve um fim. E talvez esse long transmita um pouco do que foi esse fim.

   A Legião Urbana fez o que deveria, um disco apontando novos horizontes, mas sem perder sua essência na mensagem, mas com um novo som. "As Quatro Estações" não foram só um momento do grupo, foi o momento do país!

A nova velha forma de se contar uma história

   Muito se dizia que a Legião Urbana havia mudado sua postura, mudado suas músicas e não eram mais como antes. Quem quis manter o mesmo dançou! E sabendo disso, o trio expandiu seus horizontes. Mas essa mudança não foi tão grande assim.

   Compare 1965 (Duas Tribos) com algumas outras músicas, como a própria Que país é esse e veja se não existe relação, sendo a primeira bem mais escrachada e direta sobre um momento tenebroso do nosso país. Ou mesmo Sete cidades e Quase sem querer, são músicas que se complementam e tem uma mensagem similar. Mas o que vale realmente destacar neste disco são três canções específicas:

  • Quando o sol bater na janela do seu quarto

   Uma canção bem alto astral que diz muito sobre aquele momento. Um país que voltava a votar, que tinha uma nova constituição. “Tudo é dor e toda dor vem de um desejo de não sentirmos dor”, talvez isso explique o que era o momento, um povo cansado de sofrer que já não quer mais esse sofrimento, quer apenas ver o sol nascer na sua janela e encarar o seu dia com dignidade.



  • Meninos e Meninas

   Antes dos movimentos LGBTQI+, antes de se pensar em direitos, era quase impensável que uma música como essa pudesse ser um hit (Ainda mais nos tempos de ditadura), com um refrão que diz “Eu gosto de meninos e meninas”. A nova constituinte estava aprovada e essa música de certa forma era um grito entalado, de uma geração que queria liberdade para amar quem quisesse, viver a vida que quisesse.



  • País e Filhos

   Nessa podemos ver como Renato Russo evoluiu como letrista, ao mesmo tempo que Dado e Bonfá constroem uma música incrível! Não é muito bom explicar letras de música, mas ter uma delicadeza para explicar a relação entre pais e filhos que vão desde necessidade de afeto até suicídio é para poucos. Tudo isso, com uma música que sabe valorizar os momentos da letra sendo melancólica quando deve ser, pra cima quando deve ser e blues quando deve ser.



Incrível e delicado

   Ainda vale destacar “Eu era um lobisomem juvenil”, que é uma letra bem curiosa e estranha, algo que só a Legião Urbana poderia ter feito. 

   Esse disco traz uma delicadeza, uma necessidade e um momento de esperança para o Brasil. Se o Barão Vermelho abriu a década dizendo que “Pouco importa o que essa gente vá falar mal”, sem se preocupar, sem limites e com muito rock. Aqui a Legião encerra a década dizendo “Cordeiro de Deus que tirai os pecados do mundo / Dai-nos a paz”, assim enterrando uma década de aventuras, loucuras e pedindo a Deus por dias melhores. 

Copiado de: https://immub.org/noticias/as-quatro-estacoes-de-uma-decada