Do Diário do Nordeste
É dia de Gilberto Gil. Neste domingo (26), um dos maiores cantores e compositores brasileiros de todos os tempos completa 80 anos. Nascido em Salvador no ano de 1942, Gil é a síntese inspirada de um país diverso, pulsante e crítico. É também motor: a cada novo projeto – e até mesmo na convivência com familiares, compartilhada aos montes nas redes sociais – o ícone promove novas formas de abraçar a arte, a cultura e a vida.
A carreira iniciou no acordeon, nos anos 1950. Inspirado por Luiz Gonzaga (1912-1989), pelo som do rádio e pelas procissões na porta de casa, logo tratou de explorar a sonoridade sertaneja. Até que surge João Gilberto (1931-2019), a Bossa Nova, e também Dorival Caymmi (1914-2008), com canções praieiras e o mundo litorâneo. Influenciado, Gil deixou de lado o acordeon e empunhou o violão. Em seguida, a guitarra elétrica – instrumentos que abrigam as harmonias particulares da obra desse gênio até hoje.
A tônica das criações de Gilberto é retratar a nação. Um dos pontos altos dessa dinâmica foi a Tropicália ou Movimento Tropicalista, iniciado por ele juntamente a Caetano Veloso em 1963, na Universidade da Bahia. O projeto buscava contemplar e internacionalizar a música, o cinema, as artes plásticas e toda a arte brasileira. Gal Costa, Tom Zé, Rogério Duprat, José Capinam, Torquato Neto, Rogério Duarte, Nara Leão, entre outros, uniram-se à dupla munidos do mesmo fim.
O movimento, contudo, gerou descontentamento da ditadura vigente, devido aos gestos e criações libertárias. Resultado: exílio. Em Londres, Gil toma como maior influência os Beatles, Jimmi Hendrix e todo o mundo pop que despontava na época. De volta ao Brasil, o volumoso legado desse contato não se extingue. Pelo contrário, impulsiona maneiras de dialogar com aspectos ainda mais ricos da arte.
De lá para cá, o mestre foi Ministro da Cultura no Governo Lula; eleito Artista da Paz pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura); Doutor Honoris Causa pela Universidade de Berklee; e, mais recentemente, imortal pela Academia Brasileira de Letras (ABL), ocupante da cadeira de número 20. Exemplo e bravura por entre diversos reconhecimentos, mais de 60 discos e uma trajetória desconhecedora de limites.
Neste momento, Gil celebra a nova primavera na Europa. Ele inicia hoje a turnê do show "Nós, a gente", com os filhos e netos. Além disso, a Companhia das Letras lança a terceira edição de "Gilberto Gil - Todas as Letras", com a totalidade das canções do compositor, uma cronologia e centenas de comentários – diversos deles inéditos – do autor a respeito das letras.
Nesse clima de festa e reverência, o Verso selecionou dez músicas que traduzem o espírito multifacetado de Gil, o xamã incontornável de nosso chão.
"Drão"
A lista abre com um dos maiores sucessos do gênio. "Drão" está presente no disco "Um Banda Um" (1982) e retrata uma confissão, busca por perdão dos erros cometidos e reflexão do então relacionamento que o cantor e compositor havia terminado. Gil foi casado durante 17 anos com Sandra Gadelha, com ela teve três filhos, Pedro, Preta e Maria.
"A Paz"
Belíssima, a canção foi escrita sob a inspiração da obra de Liev Nikoláievich Tolstói (1828-1910), intitulada "Guerra e Paz". A situação concreta para a composição foi a de que o cantor e compositor João Donato certo dia fora na casa de Gilberto Gil com várias canções, todas elas chamadas "Leila". Era no total de quinze ou dezesseis. João Donato entregou-as para Gil e cochilou. Foi a imagem dele cochilando sossegado à luz do dia e a lembrança do livro de Tolstói que constituíram o marco inspirador para a música.
"Andar com fé"
No aniversário de 78 anos, em 2020 – durante um dos momentos mais nebulosos da pandemia de Covid-19 – Gil presenteou o Brasil e o mundo com uma nova versão desta celebrada composição. A história da canção é contada no disco “Todas as letras”, de Gilberto Gil, e organizado por Carlos Rennó (Companhia das letras, 1996). O grande mote da música é a utilização da expressão “faiá” no lugar da linguisticamente correta, “falhar”. Segundo o criador, “Faiá é coração, falhar é cabeça, e fé é coração”.
"Tempo Rei"
Lançada no disco "Raça humana" (1984), outra canção de esperança do mestre. "Tempo Rei" reafirma a veia filosófica-otimista do cancioneiro de Gilberto Gil. A fé no futuro – ou em algo para além do alcance da razão –, porque consciente das transformações do presente, é a base temática, além da vulnerabilidade das coisas e das fragilidades dos laços humanos.
"Palco"
Gravada pela primeira vez pela banda "A Cor do Som (1977)", "Palco" foi registrada no álbum “Luar (A Gente Precisa Ver o Luar)”, de 1981. Segundo o próprio Gil, esta é "uma canção que era na verdade pra não deixar dúvida a respeito de tudo o que cantar representa para mim, e a respeito da minha relação com a música – simbolizada de forma completa pelo estar no palco". Linda!
"Se eu quiser falar com Deus"
No início de 1980, Roberto Carlos pediu para Gilberto Gil criar uma
música para ele lançar com exclusividade, mas não detalhou a temática
que desejava para aquela faixa. O artista baiano pensou e supôs que o amigo iria querer falar de algo religioso. Assim nasceu a tocante "Se eu quiser falar com Deus", também presente no disco "Luar (A Gente Precisa Ver o Luar)", de 1981.
"Aquele abraço"
Gil, ao ser libertado do quartel no Realengo, no qual passou sessenta dias preso, retornou em uma quarta-feira de Cinzas ao povo e à convivência no Rio de Janeiro. Nesse clima de volta, ele foi deixando o próprio “abraço” de maneira especial ou irônica a todos aqueles que marcaram sua existência.
"Vamos fugir"
O cantor estava viajando pela Jamaica em 1984 junto ao produtor Liminha para gravar com a banda “The Wailers” (lendária banda de Bob Marley). Um dia, Liminha acordou, pegou uma guitarra desligada, sentou no chão e começou a compor a estrutura da letra em inglês – a princípio, com base na frase “Gimme your love”. "Vamos Fugir” marcou a carreira de Gil ao traduzir o ritmo reggae no Brasil, naquela época ainda pouco explorado.
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