Copiado do Blog do Magno
* Ítalo Rocha Leitão
O
baixinho Antônio Gonçalves da Silva estava recolhido à solidão da sua
modesta casa, na Serra de Santana, no pobre município de Assaré, no
Sertão cearense, quando o carteiro bateu à porta com uma correspondência
que mudaria a sua vida.
Aquele
pequeno homem, de apenas um metro e meio, viria a ser conhecido depois
em todo o País como “Patativa do Assaré”. O remetente daquela
correspondência era um jovem de 32 anos de idade chamado Miguel Arraes
de Alencar , então secretário da Fazenda do Governo de Pernambuco, na
gestão de Barbosa Lima Sobrinho – seu primeiro cargo público.
Na
correspondência, Arraes, sabedor do talento e das dificuldades
financeiras do artista, destinava ao conterrâneo uma viola. E foi com
esse instrumento que Patativa do Assaré tirou o sustento da família e
criou seus onze filhos. Esta viola está exposta até hoje no memorial do
artista, construído pelo Governo do Ceará.
Essa
ligação remota de Arraes com os artistas o acompanhou durante toda a sua
trajetória política. Eleito prefeito do Recife, em 1959, criou o MCP, o
Movimento de Cultura Popular que educou jovens e adultos pobres e
ajudou a revelar talentos artísticos, como José Wilker, nas artes
cênicas, Carlos Fernando, na música, e Wellington Virgolino, na
pintura.
Ainda
como prefeito, Arraes baixou um decreto que abriu o mercado para as
artes plásticas até hoje: desde àquela época, todo edifício é obrigado a
instalar na sua parte frontal uma obra de arte.
Em
alguns dos seus discursos de posse em cargos públicos, Arraes sempre
fez questão de encerrá-los com citações poéticas. Na primeira vez em
que assumiu o Governo do Estado, em 31 de janeiro de 1963, concluiu seu
pronunciamento citando o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade:
"Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo".
Cassado
pela Ditadura Militar logo após o Golpe de 1964, Miguel Arraes e a
família amargaram um longo exílio de 15 anos na Argélia, no continente
africano.
Pouco
tempo depois do retorno, foi eleito mais uma vez para ficar à frente dos
destinos de Pernambuco e encerrou seu discurso de posse, no dia 15
março de 1987, recorrendo aos versos do poeta pernambucano Joaquim
Cardozo: "Sou um homem marcado, mas essas marcas temerárias, entre as
cinzas das estrelas, hão de um dia se apagar".
As
músicas das campanhas de Arraes ficaram para sempre na memória da
população pernambucana. Em 1986, “Ele está voltando”, música de Maurício
Tapajós e Paulo César Pinheiro, teve uma versão eleitoral feita pelo
jornalista Aluízio Falcão.
E o
frevo “Fogão”, composto em 1953 por Sérgio Lisboa, foi exaustivamente
tocado nos comícios de Arraes; “Arraes, Arraes, Arraes...em 86 só vai
dar Arraes”. Sem falar no jingle criado por Zé da Flauta “Arraes taí” –
incorporado por tudo quanto é orquestra de bairro dos municípios da
Região Metropolitana do Recife e do Interior.
Não
podemos esquecer também de Alceu Valença, “O velho é novo e o novo é
velho”, numa alusão à disputa de Arraes com Zé Múcio. E ainda do poeta
Zeto do Pajeú, que emprestou sua voz aos versos que ecoaram para todo
Pernambuco demarcando a volta de Arraes do exílio: “Volta Arraes ao
Palácio das Princesas, vai entrar pela porta que saiu”.
*Jornalista
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