terça-feira, 11 de novembro de 2014

Conversa de Cumpade

novembro 11, 2014 Por Alexandre Morais Sem comentários


     Pra Cumpade Zé de Mariano, que partiu na frente, partindo a gente, mas se mantendo parte da gente.
   Saudade, cumpade!
 
Outro dia me embrenhei
Nuns carrascais desses nossos
Vi umas juremas finas
Paus d’arco, pereiros grossos
Vi um angico corcundo
Velho que só esse mundo
Mas bem forte e bem sombroso
Vizinho de um sombrião
Florido que só pavão
Do mesmo tanto orgulhoso

O sol deitava seus raios
No lençol verde da grama
Que reluzia o orvalho
Da lata que Deus derrama
Nas veredas travessavam
Salsas que se espichavam
Naquele pra-lá-pra-cá
E um cheiro de capim santo
Me fazendo bem dum tanto
Que nem carecia chá

Alem de ver, eu ouvia
Os tenores da floresta
Sabiás, xexéus, campinas..
Estavam todos em festa
Rolinhas branca e cafofa
E uma burguesa fofa
Pareciam ensaiadas
Cantando no mesmo tom
Produzindo um mesmo som
Em notas metrificadas
 
Um preá se esquentava
Num mediano lajedo
Olhado por uma cobra
Mas sem expor nenhum medo
Os saguis brincavam aos montes
Uns deles com brancas frontes
Outros só acinzentados
E as formigas sempre alertas
Caminhando sempre certas
Por caminhos mal traçados
 
Fiz parada pra pensar
O que é isto? Aonde estou?
Ou Deus veio até a mim
Ou, por outra, me levou!
Estou vivo ou estou morto?
Me perguntei, absorto,
Num misto de dúvida e fé
E quando olhei para frente
C’um riso mais que contente
Lá’stava Cumpade Zé

- Meu cumpade, como vai?
Que saudade! Que saudade!
Eu disse com o que cabe
De verdade na verdade!
Disse ainda: - Eu estou bem
Só não melhor porque sem
Você, cumpade, o sertão
Ficou menos sertanejo
E pelo jeito que eu vejo
Outro Zé num nasce, não

Ainda mantendo o fôlego
Num esforço sobre-humano
Disse: - Nem cumpade sabe
Quem foi Zé de Mariano!
Cumpade num sabe um terço
Do quanto chora teu berço
Sem te ter pra balançar
E quanto as noites tão sós
Sem ouvir a tua voz
Adormecendo o luar

- Zé, por onde é que tu andas?
Porque te fizeste ausente?
Só tu, Zé, sabia a língua
Natural de nossa gente...
Os riachos, Zé, tão mudos
E aqueles tons tão agudos
Das cigarras não são mais
Os mesmos que transmitias
Nas plangentes melodias
Dos teus doces madrigais

- Como é que tu deixas, Zé
O sertão na orfandade?
O Pajeú de tão triste
Só rima pela metade...
Não se vê mais o barulho
Daquele teu bom orgulho
De ser matuto assumido
E a serra tá quase louca
Sem ouvir tua voz rouca
Soprando em seu pé de ouvido

Mantendo o sorriso, Zé
Acalmando o meu assombro
Pertinho de mim chegou
E pôs a mão no meu ombro
Fitou-me por trás dos óculos
Com alcance de binóculos
Disse: - Pare. Eu parei
Deu-me um abraço com calma
Tocou-me o corpo e a alma
De corpo e alma eu chorei
 
Aí disse: - Meu cumpade
Você tá me vendo agora
Mas a você e aos poetas
Eu assisto a toda hora
Eu não saí do sertão
Apenas saí do chão
Porque a vida é inquieta
Estou junto ao Pai fraterno
O que me tornou eterno
Por ter me feito poeta
 
- Diga aos nossos que eu não quero
Vê-los em prantos imersos
Ao invés de algumas lágrimas
Prefiro que jorrem versos
Versos de paz, de amor,
De gracejo e, por favor,
Façam também de sertão
Não deixem de fazer isto
Porque eu renasço em Cristo
Nos versos de cada irmão

- Até logo, cumpade!
- Até logo!

Alexandre Morais
Afogados da Ingazeira-PE, 06/11/14

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