quarta-feira, 6 de junho de 2018

"O Homem Que Foi Dormir Contando Estrelas e Acordou Coberto de Nuvens"

junho 06, 2018 Por Alexsandro Acioly Sem comentários
Foto: Divulgação



Estou sentindo um cheiro de carne assada na brasa. Acho que vem da casa ao lado. São sete horas da manhã, Severino está calado, curtindo uma madorna à sombra do abacateiro. Severino é o grilo de estimação que eu crio. 
– Ô de casa! 

Alguém me chama no portão. Ainda sonolento, dirijo-me à entrada principal da casa onde moro. É um lugar singelo, com dois quartos, uma varanda, uma cozinha e um jardim imenso, onde Severino, por usucapião, alojou-se e, como eu, tornou-se inquilino nesse “pequeno latifúndio”. 

Por sobre as folhas do abacateiro, alguns teimosos pingos de sereno deslizam, formando gotas de orvalho. As flores se abrindo, o verde tingindo meu quintal e o céu sem nenhuma estrela – eu apanhei todas na madrugada e coloquei debaixo do cobertor. 

Eita! Esqueci que há alguém me chamando no portão. 

– Ô de fora! Quem vem lá?, respondo perguntando, mas já com a mão no trinco, pois na minha casa só vem quem é de paz.

– Bom dia meu camarada, pode entrar! A que devo a honra de tão ilustre visita? 
–Venho lhe comunicar que acabo de receber um bode vindo lá das caatingas do Sertão do São Francisco, e o dia está propício para uma boa prosa regada a cerveja, e um bodim cai bem num dia como esse.
Não me fiz de rogado, aceitei com muito gosto, pois aquele cheiro de carne assada na brasa já havia me atiçado o paladar, logo nos primeiros raios de sol, quando eu preparava o meu rotineiro cuscuz com ovo. Aquele aroma que invadia minha casa seria a mistura que iria dar o sabor diferente no meu café da manhã naquele instante. 
– Será um prazer, amigo. 
Dei de garra da viola, vesti uma beca domingueira, e lá fui eu para uma reunião de amigos. Bom papo, boa música, muita risada, e tome gelada no bucho até o sol sumir no horizonte. Encharcou, deu na laje, hora de voltar para o meu silêncio. Fiz a saideira e, entre abraços e beijos, fui me recolhendo. No ranger do portão, Severino, ao sentir meu cheiro, começou cri-crizoar lá do seu abacateiro. 
Tirei o enfado no chuveiro, o bafo joguei na pia, armei a rede e fui pra varanda olhar pro céu e conversar com as Três Marias. A lua cheia e irradiante acendia aquele pedacinho de céu que era só meu. Comecei contar estrelas, peguei no sono e acordei coberto de nuvens.
(Maciel Melo)


   

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