Foto: Divulgação |
Estou
sentindo um cheiro de carne assada na brasa. Acho que vem da casa ao lado. São
sete horas da manhã, Severino está calado, curtindo uma madorna à sombra do
abacateiro. Severino é o grilo de estimação que eu crio.
– Ô de casa!
Alguém me chama no portão. Ainda sonolento, dirijo-me à entrada principal da
casa onde moro. É um lugar singelo, com dois quartos, uma varanda, uma cozinha
e um jardim imenso, onde Severino, por usucapião, alojou-se e, como eu,
tornou-se inquilino nesse “pequeno latifúndio”.
Por sobre as folhas do abacateiro, alguns teimosos pingos de sereno deslizam,
formando gotas de orvalho. As flores se abrindo, o verde tingindo meu quintal e
o céu sem nenhuma estrela – eu apanhei todas na madrugada e coloquei debaixo do
cobertor.
Eita! Esqueci que há alguém me chamando no portão.
– Ô de fora! Quem vem lá?, respondo perguntando, mas já com a mão no trinco,
pois na minha casa só vem quem é de paz.
– Bom dia meu camarada, pode entrar! A que devo a honra de tão ilustre visita?
–Venho lhe comunicar que acabo de receber um bode vindo lá das caatingas do
Sertão do São Francisco, e o dia está propício para uma boa prosa regada a
cerveja, e um bodim cai bem num dia como esse.
Não me fiz de rogado, aceitei com muito gosto, pois aquele cheiro de carne
assada na brasa já havia me atiçado o paladar, logo nos primeiros raios de sol,
quando eu preparava o meu rotineiro cuscuz com ovo. Aquele aroma que invadia
minha casa seria a mistura que iria dar o sabor diferente no meu café da manhã
naquele instante.
– Será um prazer, amigo.
Dei de garra da viola, vesti uma beca domingueira, e lá fui eu para uma reunião
de amigos. Bom papo, boa música, muita risada, e tome gelada no bucho até o sol
sumir no horizonte. Encharcou, deu na laje, hora de voltar para o meu silêncio.
Fiz a saideira e, entre abraços e beijos, fui me recolhendo. No ranger do
portão, Severino, ao sentir meu cheiro, começou cri-crizoar lá do seu
abacateiro.
Tirei o enfado no chuveiro, o bafo joguei na pia, armei a rede e
fui pra varanda olhar pro céu e conversar com as Três Marias. A lua cheia e
irradiante acendia aquele pedacinho de céu que era só meu. Comecei contar
estrelas, peguei no sono e acordei coberto de nuvens.
(Maciel Melo)
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