Entrevista do Professor Mário Sérgio Cortella (foto) publicada na página www.almanaquebrasil.com.br.
Foto copiada de: www.leiturinha.com.br
Você é autor de um livro chamado Qual É a Tua Obra? Qual é a obra de um filósofo brasileiro do século 21?
Sempre que se fala em filosofia, imagina-se uma dedicação a coisas
que são esotéricas, abstratas. Mas a filosofia nasce, na origem, a
partir do autoconhecimento. É preciso lembrar aquele que é o grande
pensador da Antiguidade, Sócrates. Uma de suas ideias centrais era a do
“conhece-te a ti mesmo”. E, ao mesmo tempo, suspeite daquilo que parece
óbvio. E um filósofo brasileiro, no século 21, mas com ideias que têm
três mil anos, deve passear pela capacidade de recusar o óbvio. Nosso
país tem uma certa predileção pelo óbvio, que nos acalma, mas que ao
mesmo tempo nos deixa pouco reflexivos. É preciso uma filosofia que
ajude a pensar de maneira mais crítica, com capacidade de afastar o
preconceito, e com um olhar mais acurado, menos superficial sobre a
realidade.
A filosofia não envelhece?
O que não se pode é fazer uma filosofia formol, que congela
cadáveres. O pensamento de Platão é vivo, assim como o pensamento de
Heráclito, de Parmênides. Quando Heráclito disse, há alguns séculos, que
a única coisa permanente é a mudança, isso é uma coisa de agora. Quando
disse que nenhum homem toma banho duas vezes no mesmo rio, porque,
quando você volta, nem o rio é o mesmo nem você é o mesmo, isso é uma
coisa de agora.
A visão dos jovens sobre a filosofia é preconceituosa, estereotipada?
Parte dos jovens tem uma dificuldade com a filosofia, que é a pressa.
A filosofia não pode ser apressada. Ela é uma meditação um pouco mais
adensada, a ser fruída. E, como muita gente hoje confunde pressa com
velocidade, é bom que se diga: fazer velozmente não significa fazer
apressadamente. A filosofia admite velocidade, mas jamais pressa.
A pressa é uma questão bastante presente na vida hoje, não?
Nós vivemos em um mundo, especialmente por causa das plataformas
digitais, em que a lógica é a do “tudo já agora ao mesmo tempo junto”.
Uma das coisas que levam à perda da noção de tempo e processo é o que
chamo de despamonhalização da vida. Nós paramos de fazer pamonha e
passamos a comprá-la pronta em nome de algo que é prático. Nem sempre o
prático é o certo. É mais prático furtar do que trabalhar , colar do que
estudar, copiar do que ter que pesquisar. Em nome do prático, começamos
a utilizar como critério tudo aquilo que é imediato. E paramos de fazer
pamonha. Os homens saíam de manhã, iam buscar milho na roça, arrancavam
a palha. As crianças tiravam o cabelinho que ficava no meio. As
mulheres tinham o trabalho mais complicado, que era ralar o milho e
costurar um saquinho de palha. A finalidade de fazer pamonha não era
comer pamonha, era ficar junto o dia todo. Crianças e jovens aprendiam
que para que uma pamonha aparecesse era preciso tempo, trabalho,
convivência, divisão de tarefas.
A despamonhalização é uma recusa ao imediatismo da vida?
Exato. A ideia da pamonha é evitar aquilo que chamo de miojização da
vida, a vida miojo. O namoro miojo, o sexo miojo, a pesquisa miojo. Hoje
um jovem imagina que para fazer uma pesquisa ele dá uma “googleada” e
pronto. Não. A internet é um poderoso meio de começo de pesquisa, não de
término. A ideia do “ficar”, comum entre os jovens, representa muitas
vezes a miojização das relações. Há também casamentos miojo. Relação de
casamento e também de vida. E até relação religiosa miojizada – o
sujeito vai apenas à missa das 10 no domingo, porque é mais curtinha.
Enfim, essa miojização do mundo corresponde a uma despamonhalização da
vida, que é preciso rejeitar.
0 comentários:
Postar um comentário