sábado, 4 de agosto de 2018

Despamonhalização

agosto 04, 2018 Por Alexandre Morais Sem comentários


   Entrevista do Professor Mário Sérgio Cortella (foto) publicada na página www.almanaquebrasil.com.br.

Foto copiada de:  www.leiturinha.com.br

   Você é autor de um livro chamado Qual É a Tua Obra? Qual é a obra de um filósofo brasileiro do século 21?
   Sempre que se fala em filosofia, imagina-se uma dedicação a coisas que são esotéricas, abstratas. Mas a filosofia nasce, na origem, a partir do autoconhecimento. É preciso lembrar aquele que é o grande pensador da Antiguidade, Sócrates. Uma de suas ideias centrais era a do “conhece-te a ti mesmo”. E, ao mesmo tempo, suspeite daquilo que parece óbvio. E um filósofo brasileiro, no século 21, mas com ideias que têm três mil anos, deve passear pela capacidade de recusar o óbvio. Nosso país tem uma certa predileção pelo óbvio, que nos acalma, mas que ao mesmo tempo nos deixa pouco reflexivos. É preciso uma filosofia que ajude a pensar de maneira mais crítica, com capacidade de afastar o preconceito, e com um olhar mais acurado, menos superficial sobre a realidade.

     A filosofia não envelhece?
   O que não se pode é fazer uma filosofia formol, que congela cadáveres. O pensamento de Platão é vivo, assim como o pensamento de Heráclito, de Parmênides. Quando Heráclito disse, há alguns séculos, que a única coisa permanente é a mudança, isso é uma coisa de agora. Quando disse que nenhum homem toma banho duas vezes no mesmo rio, porque, quando você volta, nem o rio é o mesmo nem você é o mesmo, isso é uma coisa de agora.

    A visão dos jovens sobre a filosofia é preconceituosa, estereotipada?
   Parte dos jovens tem uma dificuldade com a filosofia, que é a pressa. A filosofia não pode ser apressada. Ela é uma meditação um pouco mais adensada, a ser fruída. E, como muita gente hoje confunde pressa com velocidade, é bom que se diga: fazer velozmente não significa fazer apressadamente. A filosofia admite velocidade, mas jamais pressa.

   A pressa é uma questão bastante presente na vida hoje, não?
   Nós vivemos em um mundo, especialmente por causa das plataformas digitais, em que a lógica é a do “tudo já agora ao mesmo tempo junto”. Uma das coisas que levam à perda da noção de tempo e processo é o que chamo de despamonhalização da vida. Nós paramos de fazer pamonha e passamos a comprá-la pronta em nome de algo que é prático. Nem sempre o prático é o certo. É mais prático furtar do que trabalhar , colar do que estudar, copiar do que ter que pesquisar. Em nome do prático, começamos a utilizar como critério tudo aquilo que é imediato. E paramos de fazer pamonha. Os homens saíam de manhã, iam buscar milho na roça, arrancavam a palha. As crianças tiravam o cabelinho que ficava no meio. As mulheres tinham o trabalho mais complicado, que era ralar o milho e costurar um saquinho de palha. A finalidade de fazer pamonha não era comer pamonha, era ficar junto o dia todo. Crianças e jovens aprendiam que para que uma pamonha aparecesse era preciso tempo, trabalho, convivência, divisão de tarefas.

    A despamonhalização é uma recusa ao imediatismo da vida?
   Exato. A ideia da pamonha é evitar aquilo que chamo de miojização da vida, a vida miojo. O namoro miojo, o sexo miojo, a pesquisa miojo. Hoje um jovem imagina que para fazer uma pesquisa ele dá uma “googleada” e pronto. Não. A internet é um poderoso meio de começo de pesquisa, não de término. A ideia do “ficar”, comum entre os jovens, representa muitas vezes a miojização das relações. Há também casamentos miojo. Relação de casamento e também de vida. E até relação religiosa miojizada – o sujeito vai apenas à missa das 10 no domingo, porque é mais curtinha. Enfim, essa miojização do mundo corresponde a uma despamonhalização da vida, que é preciso rejeitar.

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