“Você
que vem, venha com tempo e ouvido atento, que a viagem é em
distância e fundura”, convida o prefácio do livro Solo para
vialejo, da poeta Cida Pedrosa, editado pela Cepe. Em 128 páginas,
um longo poema épico-lírico se inicia versando sobre um percurso
que segue do litoral para o Sertão. Foi lá, mais precisamente em
Bodocó, que Cida nasceu. Mas será no Recife, dia 18 de outubro, que
ela celebrará seu aniversário com o lançamento da nova obra, na
Venda Bom Jesus, às 19h. Durante o lançamento, as cordelistas
Susana Moraes e Mariane Bigio farão leitura de trechos do livro.
Haverá ainda apresentação do projeto Jazz na Venda, com repertório
voltado para o blues.
“Cida
Pedrosa, esta mulher que sabemos multidão, poeta de
palavra-labareda, é quem nos leva pela língua à infância da nossa
história, Terra Brasilis, sangue e seiva, suas cores, seus ritmos,
e, em cores e ritmos, suas extraordinárias mestiçagens”, continua
poeticamente o prefácio assinado pela poeta, ensaísta, crítica e
cronista paulista Mariana Ianelli.
A
viagem de retorno às memórias da escritora recorda a diáspora do
negros e negras, índios e índias, homens e mulheres oprimidos que
saíram do litoral para o Sertão após a devastadora chegada dos
brancos. “Ao celebrar e refletir esse período, faço um link sobre
a música sertaneja e o blues”, revela Cida. Na jornada são
descritos o clima, a fauna e a flora, a geografia do caminho,
cheiros, sabores e sons que viajam a uma distância tão longa quanto
o Sertão do litoral, e também tão profunda quanto a busca pela
própria identidade. “É uma narrativa fragmentada, assim como são
as nossas memórias. Ninguém se lembra do percurso da vida de forma
linear. Tem horas que é pura biografia e tem outras que é pura
ficção”, revela Cida.
Referências
estéticas da poesia moderna, da cultura pop - Bob Dylan, Caetano
Veloso - se misturam aos campos de algodão, por exemplo, que
aparecem exibindo a dureza do trabalho de plantio e colheita e a
memória afetiva desse cenário. “Pode-se afirmar que o poema é
todo construído a partir de tensionamentos que assumem diversas
configurações: entre o individual e o comunitário, entre racional
e o afetivo, e, naturalmente, entre o lírico e o épico. A tensão
entre as memórias pessoais e as coletivas funciona como um pêndulo
entre o “dentro” e o “fora”, entre o que pertence ao domínio
da memória afetiva do indivíduo e o que está fincado numa memória
cultural compartilhada”, diz o editor da Cepe, Wellington de Melo,
em texto presente no livro.
O
vialejo - como é chamada a gaita no interior - foi o instrumento que
Cida ganhou do pai na infância mas nunca tocou. A música negra
perpassa a poesia juntando o blues aos ritmos sertanejos. “O baião
é negro, o xote é negro. Havia bandas de blues nos anos 1940 em
Petrolina, São José do Egito, Bodocó...”, garante Cida, que
continua tentando tocar a gaita. “Nunca aprendi a tocar. Tento
aprender e não consigo”. O poema, no entanto, sugere que ela ainda
o pode fazer a qualquer momento, ou que sempre o fez. “A jornada é
circular, não há um ponto de chegada, apenas a percepção que a
identidade se encontra no próprio ato de resistir/existir”,
completa Wellington.
“(...)
serra talhada talha o verso pajeuzeiro
serra
talhada é telha tinhosa que divide sertões
ao
nordeste espraia-se são josé do
egito
uma trilha para o verso a veia
e
a velocidade da métrica para as
rimas
rubras vindas de outros mares
mouros
murmuradas e lamentadas
em
violas serra talhada berço
de
virgulino aquele pardo que se
fez
povo poder e pária migrou do
campo
de algodão para o campo
de
batalha se fez punhal e fé escuridão
e
facho quimerou ser tapera
para
marias e dadás banidos
de
todos os gêneros e negros sem
destino
se fez corisco e cascavel se
fez
imagem e
imaginário
imaginário
imaginário(...)
(...)
te encontro me encontro
te
encontro me
encontro
te
encontro
no
vialejo azul que ganhei do meu pai quando
menina
e nunca aprendi a tocar
na
canção
azul
na
flor
azul
no
anjo
azul
na borboleta
azul
na
flor árida
e
azul
me
encontro e te encontro
no
ser
ser
tão assim
sertão
e
só (...)”
0 comentários:
Postar um comentário