sábado, 27 de fevereiro de 2021

Poesia é veia que lateja...

fevereiro 27, 2021 Por Alexandre Morais Sem comentários


...e da latejante veia poética de João Batista de Siqueira, o Poeta Cancão (foto), Árvore Morta

 

Foste tu, velha braúna

A divisão da paisagem

A gigantesca coluna

Da Natureza selvagem

Abrias tua ramagem

Pelas tardes nevoentas

As borrascas violentas

Nunca te causaram danos

Antes de trezentos anos

Te açoitaram mil tormentas

 

Respeitaram-te os machados

Das primeiras gerações

Teus grossos galhos crispados

Desafiaram tufões

Venceste mil furacões

Desde os tempos de Cabral

Atalaia colossal

Soberbo gigante antigo

Talvez até deste abrigo

Aos filhos de Portugal

 

Por certo ouviste as cantigas

Das tribos depois da guerra

Filha das lendas antigas,

Rebento santo da Terra

Antes, ó virgem da serra,

Dos danos daquele raio

Pelo teu leve desmaio

Colhias na fronde tua

Lindos sorrisos da Lua

Nos noites do mês de maio

 

Estes teus grandes madeiros

Há uns cem anos passados

Se sacudiam maneiros

Cheios de viço, copados

Nos teus ramos delicados

Nas horas do arrebol

O pequeno rouxinol

Cantava com mais ternura

Colhendo a doce frescura

Das brisas do pôr-do-sol

 

Já tens um lado comido

Da era que foi ingrata

Este teu galho pendido

Relembra longínqua data

Em teu pé uma cascata

Se despenhava fremente

Teu tronco, velho e doente

Pelo cupim estragado

Foi muitas vezes lavado

Pela fragosa corrente

 

Hoje, só tens a carcaça

Sobre a estrada caída

Uma pessoa que passa

Medita e sai comovida

Uma parte apodrecida

Onde outrora os sabiás

Voando dos laranjais

Vinham pousar cantando

E hoje passam voando

Se assustam, não pousam mais

 

Das plantas foi a mais bela

Que entre a flora viveu

Quem sabe na vida dela

Quantos janeiros venceu ...

Depois murchou e morreu

Ficou dos ramos despida

Para o poente estendida

Sem verdura e sem beleza

Talvez que nessa tristeza

Sinta saudades da vida.

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