segunda-feira, 1 de março de 2021

Maciel Melo - Crônicas de um Cantador

março 01, 2021 Por Alexandre Morais Sem comentários

Maciel Melo, debaixo do chapéu e por trás dos óculos. Foto: Claudio Gomes

Farol de neblina

De repente, tudo nublou. Uma nuvem em forma de rosto, enfurecida, se agiganta e começa a nevoar. O horizonte cinzento, o caminho deserto; nada de novo no fronte. O espelho retrovisor reflete os coriscos que rasgam o céu distante que ficou para trás. Estou à deriva, numa estrada estreita, a mercê dos ventos que uivam tenebrosamente, assobiando uma melodia estranha. Não dá para prosseguir, também não posso parar; regressar é impossível, pois o tempo se fecha, a chuva é de pingo grosso. Acendo o farol de neblina, mas o negrume do asfalto embaça-me a visão.
Paro, penso, oro e rogo a Deus um pouco de misericórdia. Viajar é preciso, viver é imprescindivelmente necessário nesse momento, pois tenho duas criaturas belas à minha espera, e prometi levar dois metros de chita pra fazer dois vestidos, e levá-las para passear nos verdes campos do azul do céu de minha terra.
Vou esperar desanuviar para seguir. O acostamento da estrada mal dá para estacionar uma bicicleta, pois uma banda do guidom ficaria na pista e a outra, no mato.
Olho à minha frente, alguma coisa esvoaçante me chama atenção. Chego mais perto, é um pedaço de pano verde-amarelo-azul-e-branco pendurado no galho de uma frondosa árvore, como uma biruta, indicando a direção dos ventos. Hen-hem! Em outra dimensão, seria uma flâmula, encheria meu peito de orgulho e me sentiria forte e protegido sob o seu manto sagrado, aquecendo-me do frio e aninhando minha esperança no berço esplêndido de uma nação sã e salva, livre e inteligente.
Enquanto o tempo não estia, vou pernoitar por aqui, exilar-me em algum abraço onde exista para-raios e, quem sabe, o amanhã não amanheça tão nublado assim.

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