segunda-feira, 12 de abril de 2021

Flores do Pajeú - A Comarca do Sertão

abril 12, 2021 Por Alexandre Morais Sem comentários

O dia em que Flores do Pajeú foi bater em Goiás

 

Por Lindoaldo Campos
Mestrando em História dos Sertões (UFRN)
Membro do CPDoc-Pajeú

    Sabia que Pernambuco já foi assim?

 


   Pois é: além da área que tem hoje, Pernambuco também abrangia o atual Estado de Alagoas e essa área à esquerda chamada Comarca do Rio São Francisco – que antes pertencia à Comarca do Sertão, cuja sede sabe onde era? Na Vila de Flores do Pajeú.

   Ficou curioso? Então vamos ver essa história direito:

 No Sertão do Pajeú, no processo de colonização intensificado em meados do século XVII, dentre os diversos núcleos urbanos que foram se formando no entorno de fazendas o registro mais recuado é de 1696 e refere-se ao povoado Flores, que se formou em torno de uma fazenda com esse nome que em épocas passadas pertencera à Casa da Torre, “o maior feudo do Nordeste”, proprietária de imensas áreas que alcançava mais de 300.000 km² nos sertões dos Estados da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Ceará e Piauí.

Ruínas da Casa da Torre – Praia do Forte, Município de Mata de São João/BA

   Desenvolvendo-se rapidamente como elo interiorano com as capitanias da Paraíba, Bahia e Ceará, em 1783 o povoado Flores foi elevado a freguesia.

  Em 1805, o Governador da Capitania de Pernambuco, Caetano Pinto Montenegro, oficiou à Coroa Portuguesa sugerindo a criação da Comarca do Sertão e da elevação de duas vilas que poderiam ser a sede: a vila de Pilão Arcado (atual Município de Pilão Arcado/BA) e a vila de Flores.

  Demorou cinco anos, mas em 1810 a Coroa Portuguesa acolheu essas sugestões e foi assim que D. Maria I expediu o Alvará Régio de 15 de janeiro de 1810, criando a Comarca do Sertão.

  Eis trechos do alvará na linguagem daquele tempo, pra ficar mais chic:

    Alvará Régio de 15 de janeiro de 1810

  Crêa a Comarca do Sertão de Pernambuco, e erige em villas as Povoações de Pilão Arcado e de Flores na Ribeira de Pajehú

[...]

I) Haverá uma nova Comarca, que se ha de denominar do Sertão de Pernambuco, e comprehenderá a villa de Cimbres, os Julgados de Garanhuns, de Flores da Ribeira de Pajahú, de Tacaratú, de Cabrobó, a Villa de S. Francisco das Chagas, na Barra do Rio Grande, vulgarmente chamada da Barra, as Povoações do Pilão Arcado, Campo Largo e Carunhanha, que hei por bem desmembrar da Comarca de Pernambuco [...]

[...]

V) Constando-me que para melhor e mais exacta administração da justiça, convem que se erijam em Villas os Julgados de Pilão Arcado e de Flores na Ribeira de Pajahú, que tem para isto suffuciente local e grande povoação [...]

   Foi então que a Capitania de Pernambuco ficou dividida em duas comarcas:

  1.   A Comarca de Pernambuco, que ia de Recife à Vila de Cimbres (atual Pesqueira/PE)

  2.   A Comarca do Sertão, que ia da vila de Cimbres ao Rio Carinhanha, lugar conhecido como Região da Trijunção, pois fica mesmo na intersecção dos estados da Bahia, Goiás e Minas Gerais

    Isso mesmo: a Comarca do Sertão de Pernambuco ia bater no sul da Bahia, na divisa que faz com Goiás e Minas Gerais!

   Quer ver, veja no mapa abaixo, em que a área delimitada pela linha amarela representa a Comarca do Sertão:



   Mas aí você pergunta, e com toda razão: Mas onde é que se diz que Flores era a sede da Comarca do Sertão?

   Pois é verdade: o alvará régio de 1810 não diz isso desse jeito não, e por isso surgiram as teses de que a sede seria a Vila da Barra do Rio Grande (criada em 1752) (atual Município de Barra/BA) ou a Vila de Cimbres (criada em 1762) (atual Município de Pesqueira/PE).

   Mas tem jeito não: desde o início a sede da Comarca do Sertão foi Flores do Pajeú, como se conclui de alguns fatos e circunstâncias:

  1. Em seu ofício à Corte de Portugal o Governador da Capitania de Pernambuco Caetano Montenegro diz que “outrem resolverá com o qual deve ter a preferência”, mas dá uma boa pista sobre sua inclinação pela vila pernambucana:

   A povoação de Flores fica distante do Rio de S. Francisco trinta e cinco léguas segundo o meu roteiro, ou quarenta segundo o cálculo vulgar. A ela não chegam já as moléstias do mesmo Rio, e ainda nas maiores epidemias todos me asseguram que não havia memória de passarem da Fazenda denominada de S. Francisco, que fica quinze léguas abaixo. A esta vantagem acresce a de ter brejos férteis nas serras vizinhas, que abundam de mantimentos e a de haver já alguma cultura de algodão, que se transporta para esta praça.

   Fica, porém, no fim da comarca e muito distante da outra extremidade, ainda que por esta razão venha a ser o lugar mais próximo da capital para as relações e dependência com o Governo.

    2. Segundo o historiador Barbosa Lima Sobrinho, “o ouvidor efetivo [José de Sousa Ferreira] só viria a tomar posse a 20 de agosto de 1817, na Vila de Flores.

  3. Em 1822, a Comarca do Sertão, através do Congresso Eleitoral da Vila de Flores, elegeu o Deputado Antônio Ribeiro Campos “para as Cortes Gerais e Constituintes do Reino do Brasil”

  4. Em 1823, esse mesmo Deputado Antônio Ribeiro Campos apresentou e teve aprovado um Projeto de Lei para que fosse instalado um Comando Militar “cujo Comandante terá sua residência na Vila de Pajeú de Flores, cabeça desta Comarca.

     Duvide não que aí está o original:

   


   Pois é: não há dúvida de que a Vila de Flores do Pajeú sediava a Comarca do Sertão da Província de Pernambuco, que abarcava toda essa parte oeste de Pernambuco a partir de Garanhuns e mais toda essa parte oeste que hoje é da Bahia (que tem uma área muito maior do que o próprio Estado de Pernambuco!).

   E isso durou um bom tempo visse? Dez anos certinhos, pois com a intensificação do processo de criação de povoados, através do Alvará Régio de 3 de junho de 1820 D. João VI (que sucedeu sua mãe Maria I no trono – dizem que ela era ou ficou doida) desmembrou a Comarca do Sertão: tirou dela a recém-criada Comarca do Rio São Francisco, que ficou com aquela que desce ali perto da cachoeira de Sobradinho até o Rio Carinhanha.

   Mas mesmo assim Flores permaneceu como sede da Comarca do Sertão e com jurisdição sobre os territórios da Vila de Cimbres e dos julgados de Garanhuns, Tacaratu e Cabrobó (Julgado é quando havia um Juiz efetivo).

   E quer saber o destino das duas comarcas? Pois tome história:

  Em 2 de julho de 1824 Frei Caneca e companhia proclamaram o movimento revolucionário de caráter republicano e separatista conhecido como Confederação do Equador. A reação foi violenta: em 1825 Frei Caneca foi arcabuzado (tipo fuzilado só que não, porque foi morto com um tipo de uma arma chamada... arcabuz).

   Mas antes, em 7 de julho de 1824, Dom Pedro I mutilou Pernambuco ao transferir o território da Comarca do Rio São Francisco para a Província de Minas Gerais e por fim em 15 de outubro de 1827 para a Província da Bahia, onde está até hoje.

   Observe que sete anos antes, ou seja, em 1817, Dom João VI havia desligado de Pernambuco a Comarca das Alagoas – olhe de novo o mapa do começo –, como punição pela Revolução Pernambucana, de que Frei Caneca participou (!) e que defendia a independência do Brasil em relação a Portugal. Ah, Pernambuco guerreiro! Frei Caneca mesmo dizia: “Quem bebe da minha caneca tem sede de liberdade!”.

   Quanto à Comarca do Sertão, por razões de administração em 1833 foi desmembrada por uma resolução do Presidente da Província de Pernambuco que, junto com várias outras comarcas, criou a Comarca de Flores do Pajeú – daí porque por vezes toda a região do Pajeú é referida como “Pajeú de Flores”. 

   Mas assim mesmo era grande visse? Limitava-se ao norte com Piancó/PB, a leste com Garanhuns, ao sul com Pambu/BA, a sudeste com a Vila de Mata Grande/AL e a oeste com o Termo da Boa Vista e sendo composta pelos povoados de Baixa Verde (atual Triunfo), Vila Bela (atual Serra Talhada), Tacaratu, Fazenda Grande (atual Floresta) e Ingazeira.

   Isso mesmo: como todos nós pajeuzenses e pajeuzeiros sabemos, com o tempo esses povoados se tornaram freguesias e viraram vilas (o caminho é esse) que se desmembraram de Flores para dar origem à rica diversidade de municípios de nosso amado Alto Sertão do Pajeú.

   Quer saber como isso aconteceu? Pois então fique ligado que qualquer hora dessas a gente continua essa história – e ô Pajeú velho de guerra pra ter história!

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