O dia em
que Flores do Pajeú foi bater em Goiás
Pois é: além da
área que tem hoje, Pernambuco também abrangia o atual Estado de Alagoas e essa
área à esquerda chamada Comarca do Rio São Francisco – que antes pertencia à
Comarca do Sertão, cuja sede sabe onde era? Na Vila de Flores do Pajeú.
Ficou curioso?
Então vamos ver essa história direito:
No Sertão do Pajeú,
no processo de colonização intensificado em meados do século XVII, dentre os
diversos núcleos urbanos que foram se formando no entorno de fazendas o
registro mais recuado é de 1696 e refere-se ao povoado Flores, que se formou em
torno de uma fazenda com esse nome que em épocas passadas pertencera à Casa da
Torre, “o maior feudo do Nordeste”, proprietária de imensas áreas que alcançava
mais de 300.000 km² nos sertões dos Estados da Bahia, Sergipe, Alagoas,
Pernambuco, Paraíba, Ceará e Piauí.
Ruínas da Casa da Torre – Praia do Forte, Município
de Mata de São João/BA
Desenvolvendo-se rapidamente como elo interiorano com as capitanias da Paraíba, Bahia e Ceará, em 1783 o povoado Flores foi elevado a freguesia.
Em 1805, o Governador da Capitania de Pernambuco, Caetano Pinto Montenegro, oficiou à Coroa Portuguesa sugerindo a criação da Comarca do Sertão e da elevação de duas vilas que poderiam ser a sede: a vila de Pilão Arcado (atual Município de Pilão Arcado/BA) e a vila de Flores.
Demorou cinco anos,
mas em 1810 a Coroa Portuguesa acolheu essas sugestões e foi assim que D. Maria
I expediu o Alvará Régio de 15 de janeiro de 1810, criando a Comarca do Sertão.
Eis trechos do
alvará na linguagem daquele tempo, pra ficar mais chic:
Alvará Régio de 15 de janeiro de 1810
Crêa a Comarca do
Sertão de Pernambuco, e erige em villas as Povoações de Pilão Arcado e de
Flores na Ribeira de Pajehú
[...]
I) Haverá uma nova
Comarca, que se ha de denominar do Sertão de Pernambuco, e comprehenderá a
villa de Cimbres, os Julgados de Garanhuns, de Flores da Ribeira de Pajahú, de Tacaratú, de Cabrobó, a Villa de S. Francisco das Chagas, na
Barra do Rio Grande, vulgarmente chamada da Barra, as Povoações do Pilão
Arcado, Campo Largo e Carunhanha, que hei por bem desmembrar da Comarca de
Pernambuco [...]
[...]
V) Constando-me que
para melhor e mais exacta administração da justiça, convem que se erijam em
Villas os Julgados de Pilão Arcado e de Flores na Ribeira de Pajahú, que tem
para isto suffuciente local e grande povoação [...]
Foi então que a Capitania de Pernambuco ficou dividida em duas comarcas:
1. A Comarca de Pernambuco, que ia de Recife à Vila de Cimbres (atual Pesqueira/PE)
2. A Comarca do Sertão, que ia da vila de Cimbres ao Rio Carinhanha, lugar conhecido como Região da Trijunção, pois fica mesmo na intersecção dos estados da Bahia, Goiás e Minas Gerais
Isso mesmo: a Comarca do Sertão de Pernambuco ia bater no sul da Bahia, na divisa que faz com Goiás e Minas Gerais!
Quer ver, veja no
mapa abaixo, em que a área delimitada pela linha amarela representa a Comarca
do Sertão:
Mas aí você
pergunta, e com toda razão: Mas onde é que se diz que Flores era a sede da
Comarca do Sertão?
Pois é verdade: o
alvará régio de 1810 não diz isso desse jeito não, e por isso surgiram as teses
de que a sede seria a Vila da Barra do Rio Grande (criada em 1752) (atual
Município de Barra/BA) ou a Vila de Cimbres (criada em 1762) (atual Município
de Pesqueira/PE).
Mas tem jeito não:
desde o início a sede da Comarca do Sertão foi Flores do Pajeú, como se conclui
de alguns fatos e circunstâncias:
1. Em seu ofício à Corte de Portugal o Governador da Capitania de Pernambuco Caetano Montenegro diz que “outrem resolverá com o qual deve ter a preferência”, mas dá uma boa pista sobre sua inclinação pela vila pernambucana:
A povoação de Flores fica distante do Rio de S. Francisco trinta e cinco léguas segundo o meu roteiro, ou quarenta segundo o cálculo vulgar. A ela não chegam já as moléstias do mesmo Rio, e ainda nas maiores epidemias todos me asseguram que não havia memória de passarem da Fazenda denominada de S. Francisco, que fica quinze léguas abaixo. A esta vantagem acresce a de ter brejos férteis nas serras vizinhas, que abundam de mantimentos e a de haver já alguma cultura de algodão, que se transporta para esta praça.
Fica, porém, no fim
da comarca e muito distante da outra extremidade, ainda que por esta razão
venha a ser o lugar mais próximo da capital para as relações e dependência
com o Governo.
2. Segundo o historiador Barbosa Lima Sobrinho, “o ouvidor efetivo [José de Sousa Ferreira] só viria a tomar posse a 20 de agosto de 1817, na Vila de Flores.
3. Em 1822, a Comarca do Sertão, através do Congresso Eleitoral da Vila de Flores, elegeu o Deputado Antônio Ribeiro Campos “para as Cortes Gerais e Constituintes do Reino do Brasil”
4. Em 1823, esse mesmo Deputado Antônio Ribeiro Campos apresentou e teve aprovado um Projeto de Lei para que fosse instalado um Comando Militar “cujo Comandante terá sua residência na Vila de Pajeú de Flores, cabeça desta Comarca.
Duvide não que aí está o original:
Pois é: não há
dúvida de que a Vila de Flores do Pajeú sediava a Comarca do Sertão da
Província de Pernambuco, que abarcava toda essa parte oeste de Pernambuco a
partir de Garanhuns e mais toda essa parte oeste que hoje é da Bahia (que tem
uma área muito maior do que o próprio Estado de Pernambuco!).
E isso durou um bom
tempo visse? Dez anos certinhos, pois com a intensificação do processo de
criação de povoados, através do Alvará Régio de 3 de junho de 1820 D. João VI
(que sucedeu sua mãe Maria I no trono – dizem que ela era ou ficou doida)
desmembrou a Comarca do Sertão: tirou dela a recém-criada Comarca do Rio São
Francisco, que ficou com aquela que desce ali perto da cachoeira de Sobradinho
até o Rio Carinhanha.
Mas mesmo assim
Flores permaneceu como sede da Comarca do Sertão e com jurisdição sobre os
territórios da Vila de Cimbres e dos julgados de Garanhuns, Tacaratu e Cabrobó
(Julgado é quando havia um Juiz efetivo).
E quer saber o destino
das duas comarcas? Pois tome história:
Em 2 de julho de
1824 Frei Caneca e companhia proclamaram o movimento revolucionário de caráter
republicano e separatista conhecido como Confederação do Equador. A reação foi
violenta: em 1825 Frei Caneca foi arcabuzado (tipo fuzilado só que não, porque
foi morto com um tipo de uma arma chamada... arcabuz).
Mas antes, em 7 de
julho de 1824, Dom Pedro I mutilou Pernambuco ao transferir o território da
Comarca do Rio São Francisco para a Província de Minas Gerais e por fim em 15
de outubro de 1827 para a Província da Bahia, onde está até hoje.
Observe que sete
anos antes, ou seja, em 1817, Dom João VI havia desligado de Pernambuco a
Comarca das Alagoas – olhe de novo o mapa do começo –, como punição pela
Revolução Pernambucana, de que Frei Caneca participou (!) e que defendia a
independência do Brasil em relação a Portugal. Ah, Pernambuco guerreiro! Frei
Caneca mesmo dizia: “Quem bebe da minha caneca
tem sede de liberdade!”.
Quanto à Comarca do
Sertão, por razões de administração em 1833 foi desmembrada por uma resolução
do Presidente da Província de Pernambuco que, junto com várias outras comarcas,
criou a Comarca de Flores do Pajeú – daí porque por vezes toda a região do
Pajeú é referida como “Pajeú de Flores”.
Mas assim mesmo era
grande visse? Limitava-se ao norte com Piancó/PB, a leste com Garanhuns, ao sul
com Pambu/BA, a sudeste com a Vila de Mata Grande/AL e a oeste com o Termo da
Boa Vista e sendo composta pelos povoados de Baixa Verde (atual Triunfo), Vila
Bela (atual Serra Talhada), Tacaratu, Fazenda Grande (atual Floresta) e
Ingazeira.
Isso mesmo: como
todos nós pajeuzenses e pajeuzeiros sabemos, com o tempo esses povoados se
tornaram freguesias e viraram vilas (o caminho é esse) que se desmembraram de
Flores para dar origem à rica diversidade de municípios de nosso amado Alto
Sertão do Pajeú.
Quer saber como isso aconteceu? Pois então fique ligado que qualquer hora dessas a gente continua essa história – e ô Pajeú velho de guerra pra ter história!
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