Por Lindoaldo Campos
Mestrando em História dos Sertões
Membro do CPDoc-Pajeú
Você consegue identificar a
área em cinza nesse mapa?
Certo: essa foi moleza. Mas aproveito
pra dizer que desde 2017 o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –
IBGE – adota a seguinte divisão geográfica para Pernambuco: Mesorregião
Metropolitana do Recife, Mesorregião da Mata, Mesorregião do São Francisco e
Mesorregião do Sertão (“meso” é uma palavra grega que significa “no meio”,
“interno”).
Por sua vez, a Mesorregião do Sertão
se divide em cinco Microrregiões: Araripina, Salgueiro, Moxotó e Pajeú.
E o Pajeú ainda se divide em Baixo,
Médio e Alto Pajeú, onde ficam os municípios que listamos no começo.
E aí chegamos aonde eu queria: E se
eu lhe disser que boa parte da região do Alto Sertão do Pajeú nem sempre foi de
Pernambuco? E digo logo: também nunca foi da Paraíba. Aí pegou, né?
Pois é: o Alto Sertão do Pajeú já foi
de Itamaracá. Da Ilha não, que a Ilha é de Lia. O Alto Sertão do Pajeú já foi
da Capitania de Itamaracá.
Quer
ver, veja esse outro mapa
Achou?
Pois vamos dar uma aproximadinha e
destacar:
Agora repare de novo o mapa lá do começo.
Pois bem: essa é a “proposta do novo
mapa das capitanias hereditárias” apresentada por Jorge Pimentel Cintra,
Professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, no artigo Reconstruindo
o mapa das Capitanias Hereditárias, publicado em 2013 nos Anais do
Museu Paulista (https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-47142015000200011&lng=pt&tlng=pt).
Cabra sabido danado que analisou
latitudes e longitudes, graus e coordenadas, pelejou foi muito e fez uma
revisão dos mapas anteriores, considerando que “refletem o estado de
desenvolvimento da ciência histórica”. E disse mais:
Um mapa, por mais belo e histórico que seja, e por mais louvado que tenha sido, não pode ser considerado simploriamente como um retrato fiel da realidade, uma fotografia da época: como qualquer documento histórico, deve ser lido com cuidado e sentido crítico.
Aí você pergunta: Mas então quando foi que o Alto Sertão do Pajeú passou a ser de Pernambuco?
Aí é que está a história:
Quando o Brasil era uma colônia (de Portugal),
o sistema de administração dessa terrona toda (e doutras mais, como a Ilha da
Madeira – mesmo essa, onde nasceu Cristiano Ronaldo) foram as capitanias
hereditárias.
Funcionava assim: Portugal dava a
alguns particulares (a maioria membros da pequena nobreza chamados de
donatários ou capitães, pois administravam uma... capitania) o direito de
repartir as terras, fundar povoações, cobrar impostos e administrar a justiça.
E tem mais: como eram hereditárias, passavam para os filhos. Ou seja: os gajos
da c’roa garantiam a posse, a ocupação e a exploração das colônias sem gastar
um tostão furado com isso.
Sempre capengando, esse sistema
funcionou formalmente de 1534 a 1759, quando Sebastião José de Carvalho e Melo
foi chamado pra botar ordem no negócio: era o Marquês de Pombal (1699-1782),
que deu fim às capitanias hereditárias com o objetivo de centralizar e
controlar ainda mais a administração. Só pode: todas foram um fracasso, tirando
as de Pernambuco, Porto Seguro, Ilhéus e São Vicente – em que prosperou a
lavoura de cana-de-açúcar e seus donatários-capitães conseguiram manter os
colonos e estabelecer alianças com os indígenas.
Mas o tino de Pombal era esse mesmo: absolutista-iluminista, queria fortalecer o poder do rei e ao mesmo tempo fazer reformas para acompanhar os países mais adiantados – e por isso expulsou os jesuítas do Brasil, não só pra confiscar as propriedades da Igreja, mas também pra coroa controlar ainda mais as regiões administradas pelos religiosos e realizar uma profunda reforma educacional.
Aliás, é mesmo dele que vem o nome do
Município de Pombal, o primeiro núcleo de habitação do sertão paraibano (já era
vila em 1766!), terra de Leandro Gomes de Barros (1865-1918), um dos primeiros
e mais produtivos cordelistas do Brasil, que aprendeu muito na Academia de
Teixeira, andou pelo Pajeú e foi bater em Recife.
Mas aí a gente já está no lá sertão
da Paraíba e você pergunta de novo: E o que o Alto Sertão do Pajeú tem a ver
com isso tudo?
Tem razão. Pois lá vai mais história:
como dissemos, o sistema de capitanias funcionou formalmente até
1759, porque apenas em 28 de fevereiro de 1821 a maioria das capitanias
tornaram-se províncias e, com o advento da República em 1889, as províncias
(governadas por presidentes) passaram à atual denominação de estados
(governados por... governadores).
Quanto ao nosso querido Alto Sertão
do Pajeú, o desfecho foi o seguinte: em 1763, a Capitania de Itamaracá foi
extinta porque Ana Josefa faleceu sem deixar nenhum filho. Mas como assim? Ora,
D. Ana Josefa da Graça Noronha Ataíde e Sousa era a Marquesa de Cascais, filha
de D. Francisco Xavier Rafael de Meneses, Marquês de Louriçal (é assim mesmo,
com c cedilha) e derradeiro donatário da Capitania de Itamaracá.
Aí, como não havia herdeiro que
herdasse a capitania hereditária, a Capitania de Itamaracá foi
resgatada pela Coroa Portuguesa, que por fim permitiu que seu território fosse
anexado à Capitania de Pernambuco (Nova Lusitânia, de luso, o povo português) –
o que incluiu a região que hoje corresponde ao Alto Sertão do Pajeú.
Mas e a Paraíba que não aparece no
mapa de Jorge Cintra? Bem, com a extinção da Capitania de Itamaracá,
praticamente todo o seu território passou a configurar a Capitania da Paraíba,
que (assim as capitanias do Rio Grande e do Ceará) por orientação do Marquês de
Pombal estava anexada à Capitania de Pernambuco desde 1755, situação que durou
formalmente até 1799.
Mas isso é outra história. Por
enquanto, vamos encerrar com o Alto Sertão do Pajeú, pois segundo o pesquisador
Leonardo Dantas Silva, “o território pernambucano ao Norte é hoje resultante
dessa incorporação [da Capitania de Itamaracá], fazendo assim limites com a
Paraíba e o Ceará, com alguns ajustamentos que se seguiram” (Pernambuco:
imagens da vida e da história, p. 77).
Pois é, poeta: de 1534 a 1763 (229
anos, pelas minhas contas), o Pajeú bateu em Itamaracá. Espiritualmente, a
agora sabemos até geográfica e historicamente, o feiticeiro do rio até hoje
ciranda na pedra que canta.
E ô Pajeú véi pra ter história!!!
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