Você conhece esse mapa do Rio Pajeú?
Certamente
é uma indicação, porque Pajeú (também grafado Pajaú, Pajahú, Pajehú e Pagehu em
documentos antigos) também é um nome tupi e significa “rio do Pajé” (ou “rio
feiticeiro” mesmo, “talvez porque corre para o Ocidente (acima)”, como diz
Baptista Siqueira no livro Os cariris do Nordeste).
Vem
de “pajé” = sábio, sacerdote, médico e líder espiritual dos indígenas + “y” =
rio, água (em seu Dicionário de topônimos brasileiros de origem tupi,
Luiz Caldas Tibiriçá ensina que o y representa um fonema indígena gutural,
estranho ao idioma português e difícil de ser pronunciado, e por isso às vezes
é escrito como i ou com u).
Pajeú também é o nome de uma planta
utilizada na medicina popular no tratamento de doenças venéreas e inflamações
intestinais. Seu nome científico é Triplaris gardneriana Wedd e
que ocorre de forma natural na caatinga (do tupi “caa” = mato + “tinga” =
branco).
Aliás
mais aliás ainda, nosso Alto Sertão do Pajeú tem um monte de topônimos (nomes
de lugares) de origem indígena – o que indica sua forte presença naquele tempo
e nos dias de hoje:
Ambó - Significa “esta mão”, a quantidade “cinco” (Eduardo Navarro, Tupi antigo)
Borborema - De por-por-eyma, que significa sem moradores, sem habitantes; o deserto, a solidão, o sertão (Teodoro Sampaio, O tupi na geografia nacional, p. 208)
Ingazeira - “Vocábulo híbrido tupi-português: juntando i’ng, ingá, que quer dizer ‘úmido, ensopado, fruta cheia d’água’, com o sufixo em português eira” (Homero Fonseca, Pernambucânia: o que há nos nomes das nossas cidades)
Iguaraci - “A interpretação prevalecente para Iguaraci é sol. Explica o sociólogo Roberto Harrop Galvão, estudioso do tupi antigo, que, na realidade, sol é Guaraci (de guara: seres viventes e ci: mãe, ou seja, o sol, entidade feminina para os tupis, era a Mãe dos Viventes). Como já havia uma cidade em São Paulo com esse nome, foi adotada a forma iguaraci” (Homero Fonseca, Pernambucânia)
Itapetim - Antigo povoado e distrito de Umburanas (de “ymbú-rana, o imbu falso; semelhante ao imbu” (Teodoro Sampaio, O tupi na geografia nacional), o nome Itapetim é uma redução de Itapetininga (porque em São Paulo já havia outro com esse nome), que significa “pedra achatada seca, laje seca” (Eduardo Navarro, Tupi antigo)
Tabira - “O tronco empinado, a haste em pé, o madeiro erguido. Nome de um principal [cacique] dos Tabajaras, que se converteu ao cristianismo; tão valente e astucioso era na guerra que, no seu tempo, era tido como o talismã das vitórias. Pode ser também corrupção de itá-bira, a pedra empinada ou erguida” (Teodoro Sampaio, O tupi na geografia nacional)
Tuparetama - “'Terra de Deus – o céu’ (Tupã: entidade divina dos tupis, criador dos trovões, mais retama: região, terra)” (Homero Fonseca, Pernambucânia)
Aí você pergunta: Mas por que você fala “nosso Pajeú”?
Ora,
porque, segundo as outras informações do mapa lá do começo, o Rio Pajeú de que
ele fala é onde nasceu, criou-se e até hoje vive a cidade de Fortaleza.
Isso
mesmo: Fortaleza, a capital do Estado do Ceará (outra palavra tupi, de “ce” =
pessoa de classe superior + “ará” = homem, macho viril), começou com o Forte
Schoonenborch (forte = fortaleza), que foi construído pelo holandês Matias Beck
na margem esquerda de um rio de lá que tem o mesmo nome do nosso: o Rio Pajeú,
como mostrou o historiador Raimundo Girão em seu livro A cidade do
Pajeú – de cuja capa tiramos o mapa.
Lá em Fortaleza, o Pajeú é esse
rio que aparece no primeiro mapa da cidade, elaborado em 1726 por Manuel
Francês, capitão-mor da Capitania do Ceará Grande:
Atualmente, esse é mapa do
percurso do Rio Pajeú-pai-mãe de Fortaleza, que nasce próximo às ruas Silva
Paulet, José Vilar, Bárbara de Alencar e Dona Alexandrina e deságua (foz) no
Poço da Draga, onde atualmente existe o estaleiro da Indústria Naval do Ceará.
Já o
Rio Pajeú-pai-mãe do Sertão do Pajeú de Pernambuco nasce a uma altitude de
aproximadamente 600 metros na Serra do Balanço, Município de Brejinho, próximo
à Serra dos Cariris Velhos, “bem no declive da montanha, onde as águas se
dividem: de um lado Pernambuco, do outro a Paraíba” (Luiz
Cristovão dos Santos, Pajeú: um rio do sertão).
Mais
extenso de Pernambuco, o Rio Pajeú percorre 353 km até desaguar no lago de
Itaparica, no curso do Rio São Francisco. Sua bacia hidrográfica é constituída
pelos rios Pajeú Mirim, Riacho São Domingos e Riacho do Navio (isso mesmo: o
riacho da música de Luiz Gonzaga e Zé Dantas de Carnaíba – do tupi “karana’yba”
= carnaúba, variante de palmeira).
Boa
parte da Bacia Hidrográfica do Pajeú fica no Planalto da Borborema e não é
brinquedo não: tem 16.686 km² e alcança vários municípios:
Outra
coisa: como nome de lugar, não é só no Ceará e em Pernambuco que tem Pajeú não.
No Estado do Piauí há um município chamado Pajeú do Piauí;
No
Estado de Minas Gerais há um município chamado Cachoeira de Pajeú – que no
início de sua história, subordinado ao Município de Fortaleza de Minas (!);
No
município baiano de Caetité há um distrito chamado Pajeú do Vento;
Na
cidade de São Paulo/SP, no bairro Engenheiro Goulart há a Rua Alto Pajeú;
Há
várias ruas chamadas Rua Pajeú, como nas cidades de São Paulo/SP (nos bairros
Vila Mariana e Saúde), Camaragibe/PE (no bairro Vera Cruz), Teresina/PI (no
bairro Ininga), Juazeiro/BA (no bairro São Geraldo), Diadema/SP (no bairro
Taboão), Rio de Janeiro/RJ (no bairro Jardim Carioca), Cascavel/PR
(bairro São Cristóvão) e Recife/PE (no bairro Ibura, com o nome de Rua Rio
Pajeú).
Mas
vamos terminar falando sobre o Ceará, porque outra vez em que o Pajeú foi bater
na terra de Belchior foi quando o poeta Rogaciano Leite, nascido às margens do
Rio Pajeú de Pernambuco, foi morar em Fortaleza e ficou tão de lá que lá casou,
teve seis filhos, formou-se em Letras Clássicas, realizou o primeiro Congresso
de Cantadores em um teatro, ganhou três Prêmios Esso de Reportagem, lá seu
corpo foi sepultado e hoje essa cidade tem uma importante avenida com seu nome.
Quem
sabe assim quiseram os Pajés dos rios de lá e da cá, para que o poeta de Os
trabalhadores, Eulália e Se voltares continuasse
perto deles, entoando os versos de sua infância feliz:
Ah!
Que tempo de alegria
Quando
bebendo poesia
De
calça curta eu corria
À margem do Pajeú,
Comendo
jaboticaba,
Melão,
mamão e goiaba,
Cambuí,
jambo e quixaba,
Maracujá
e umbu!
É realmente uma grande história essa do poeta que, com razão de cantar, levou o Pajeú das Flores pra conhecer o Pajeú do Forte.
Mas essa é outra história... E ô Pajeú de poesia pra ter história!
Temos também um riacho Pajeú no município de Sobral, Ceará, cidade natal de Belchior :)
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