Arte: Edgley Brito |
Vital
Vital não é homem de meios termos. Entre café e uísque, ele prefere um de cada
vez. Entre ler e ouvir rádio, ele prefere os dois ao mesmo tempo. Entre o ontem
e o hoje, ele prefere o amanhã. Diz que o amanhã tem mistério. E entre o ócio e
o trabalho, claro, ele fica com o primeiro porque aprendeu com Ferreira que
ninguém é de ferro. E de ferro Ferreira entende.
Pois sim. Vital é assim. Enquanto os homens da cidade se fecham em golas e
punhos, Vital abre a camisa no peito. Para e observa quando ninguém para nem
observa nada. Todo mundo vai veloz. Todo mundo vai levado por alguma coisa que
chamam de falta de tempo.
Cadê o bom dia? O como vai a família? Que livro você tá lendo? E poesia? E
música? Política, futebol... pelo menos política e futebol, gente! Fica Vital
se perguntando por que as pessoas não se perguntam. E por que as pessoas não se
respostam.
Em vão. Os carros passam velozes. As motos passam atropelantes. E as pessoas?
Pelo menos as pessoas podiam passar devagar. Mas não. Também não. Todos vão e
vão e vão... sempre vão, nunca vem ao encontro delas mesmas.
Vital, sim. Vital se encontra o tempo todo. Na cadeira de balanço. Na rede. Na
calçada. Na praça. No café. Numa roda de conversa (é, ainda existem algumas).
No bar. Ah, no bar é onde Vital se encontra mais. Porque ali algumas pessoas
acabam parando. E parando se encontram. Porque deixam de ir e ir e ir. Ali elas
ficam. Elas são elas mesmas por um pouco. Nem que seja por um pouco, afinal
precisam correr porque o dia seguinte é dia de... correr.
Como essa tal de falta de tempo tem deixado o tempo desumano. Todo mundo vai e
só Vital é que vem. Quem será que tá na contramão?
Sei, não. Acho que para este nosso tempo é vital ser Vital.
0 comments:
Postar um comentário