Hoje, 24 de junho, é dia de render memória a Aderaldo Ferreira de Araújo, esse aí da foto de cima, parecendo um oficial militar. Quem é do ramo - e mais ainda quem olhou pra foto de baixo - sabe que a patente dele foi poética. E que o nome de combate foi Cego Aderaldo.
Pois bem, ele nasceu numa data como a de hoje no ano de 1878, no Crato - CE. Faleceu, em Fortaleza - CE, numa data como a de 29 de junho no ano de 1967. Fazendo as contas dá 143 anos de nascimento no São João e 54 de morte no São Pedro de 2021. Em outra conta, viveu 89 anos.
Como produtor de arte que foi, é eterno. Será lembrado por todo o sempre.
Perdeu a visão ainda jovem, morando na também cearense Quixadá, enquanto trabalhava na construção de uma estrada de ferro. Logo depois perdeu a mãe. E logo depois teve um sonho com ela em versos. Daí decidiu ser cantador.
De um encontro com o poeta Zé Pretinho, do Piauí, provavelmente em 1916, surgiu uma das mais famosas - se não a mais famosa - peleja de cantadores publicadas em cordel. O cordel é de Firmino Teixeira do Amaral e um pequeno trecho é este aqui:
Zé
Pretinho
Sai
daí, cego amarelo
Cor
de couro de toucinho
Um
cego da tua forma
Chama-se
abusa vizinho
Aonde
eu botar os pés
Cego
não bota o focinho
Cego
Aderaldo
Já vi
que seu Zé Pretinho
É um
homem sem ação
Como
se maltrata outro
Sem
haver alteração
Eu
pensava que o senhor
Possuísse
educação
ZP –
Esse cego bruto hoje
Apanha
que foca roxo
Cara
de pão de cruzado
Testa
de carneiro mocho
Cego,
tu és um bichinho
Que
quando come vira o coxo
CA –
Seu José, o seu cantar
Merece
ricos fulgores
Merece
ganhar na sala
Rosas
e trovas de amores
Mais
tarde as moças lhe dão
Bonitas
palmas de flores
ZP –
Cego, eu creio que tu és
Da
terra do sapo sunga
Cego
não adora Deus
O Deus de cego é calunga
Aonde
os homens conversam
O cego chega e resmunga
CA –
Zé Preto não me aborreça
Com o
teu cantar ruim
O homem que canta bem
Não
trabalha em verso assim
Tirando
as faltas que tem
Botando
em cima de mim
ZP –
Cala-te, cego ruim
Cego
aqui não faz figura
Cego
quando abre a boca
É uma
mentira pura
O cego quanto mais mente
Inda
mais sustenta e jura
CA –
Este negro foi cativo
Por
isso é tão positivo
Quer
ser na sala de branco
Exagerado
e ativo
Negro
de canela fino
Todo
ele foi cativo
Este cordel ganhou
inúmeras versões, inclusive esta aí abaixo com capa inspirada nos gibis do Tex.
Outro fato curioso é que o Cego Aderaldo desenvolveu uma sensibilidade
musical aguçadíssima, chegando a tocar vários instrumentos. Na cantoria manteve
o gosto pela rabeca, enquanto que a viola já era uma marca da atividade.
Por fim - e mais curioso ainda - é que ele nunca se casou, mas montou uma
espécie de orfanato. Consta que criou 24 crianças.
Deste fato se repete uma passagem muito boa. Um cantador o teria
questionado o porquê de tantos filhos adotivos e nenhum casamento. A resposta
de Aderaldo:
Eu nunca quis me casar
Isso é verdade eu não nego
Como eu sou bem prevenido
Batata quente eu não pego
Quem tem vista leva ponta
Quanto mais eu que sou cego
 |
Cego Aderaldo - Monumento em Quixadá/CE |
0 comments:
Postar um comentário