quinta-feira, 24 de junho de 2021

Cego Aderaldo, São João e São Pedro

junho 24, 2021 Por Alexandre Morais Sem comentários



   Hoje, 24 de junho, é dia de render memória a Aderaldo Ferreira de Araújo, esse aí da foto de cima, parecendo um oficial militar. Quem é do ramo - e mais ainda quem olhou pra foto de baixo - sabe que a patente dele foi poética. E que o nome de combate foi Cego Aderaldo.



   Pois bem, ele nasceu numa data como a de hoje no ano de 1878, no Crato - CE. Faleceu, em Fortaleza - CE, numa data como a de 29 de junho no ano de 1967. Fazendo as contas dá 143 anos de nascimento no São João e 54 de morte no São Pedro de 2021. Em outra conta, viveu 89 anos.

  Como produtor de arte que foi, é eterno. Será lembrado por todo o sempre.

  Perdeu a visão ainda jovem, morando na também cearense Quixadá, enquanto trabalhava na construção de uma estrada de ferro. Logo depois perdeu a mãe. E logo depois teve um sonho com ela em versos. Daí decidiu ser cantador.

  De um encontro com o poeta Zé Pretinho, do Piauí, provavelmente em 1916, surgiu uma das mais famosas - se não a mais famosa - peleja de cantadores publicadas em cordel. O cordel é de Firmino Teixeira do Amaral e um pequeno trecho é este aqui:

    Zé Pretinho
    Sai daí, cego amarelo
    Cor de couro de toucinho
    Um cego da tua forma
    Chama-se abusa vizinho
    Aonde eu botar os pés
    Cego não bota o focinho
 
    Cego Aderaldo
    Já vi que seu Zé Pretinho
    É um homem sem ação
    Como se maltrata outro
    Sem haver alteração
    Eu pensava que o senhor
    Possuísse educação
 
   ZP – Esse cego bruto hoje
   Apanha que foca roxo
   Cara de pão de cruzado
   Testa de carneiro mocho
   Cego, tu és um bichinho
   Que quando come vira o coxo
 
    CA – Seu José, o seu cantar
    Merece ricos fulgores
    Merece ganhar na sala
    Rosas e trovas de amores
    Mais tarde as moças lhe dão
    Bonitas palmas de flores
 
    ZP – Cego, eu creio que tu és
    Da terra do sapo sunga
    Cego não adora Deus
    O Deus de cego é calunga
    Aonde os homens conversam
    O cego chega e resmunga
 
    CA – Zé Preto não me aborreça
    Com o teu cantar ruim
    O homem que canta bem
    Não trabalha em verso assim
    Tirando as faltas que tem
    Botando em cima de mim
 
    ZP – Cala-te, cego ruim
    Cego aqui não faz figura
    Cego quando abre a boca
    É uma mentira pura
    O cego quanto mais mente
    Inda mais sustenta e jura
 
    CA – Este negro foi cativo
    Por isso é tão positivo
    Quer ser na sala de branco
    Exagerado e ativo
    Negro de canela fino
    Todo ele foi cativo


   Este cordel ganhou inúmeras versões, inclusive esta aí abaixo com capa inspirada nos gibis do Tex.


   Outro fato curioso é que o Cego Aderaldo desenvolveu uma sensibilidade musical aguçadíssima, chegando a tocar vários instrumentos. Na cantoria manteve o gosto pela rabeca, enquanto que a viola já era uma marca da atividade.
   Por fim - e mais curioso ainda - é que ele nunca se casou, mas montou uma espécie de orfanato. Consta que criou 24 crianças.
  Deste fato se repete uma passagem muito boa. Um cantador o teria questionado o porquê de tantos filhos adotivos e nenhum casamento. A resposta de Aderaldo:


    Eu nunca quis me casar
    Isso é verdade eu não nego
    Como eu sou bem prevenido
    Batata quente eu não pego
    Quem tem vista leva ponta
    Quanto mais eu que sou cego

Cego Aderaldo - Monumento em Quixadá/CE

0 comentários:

Postar um comentário