sexta-feira, 27 de agosto de 2021

Três sonetos de Carlos Pena Filho

agosto 27, 2021 Por Alexandre Morais Sem comentários

Soneto do Desmantelo Azul 

Então, pintei de azul os meus sapatos
por não poder de azul pintar as ruas,
depois, vesti meus gestos insensatos
e colori as minhas mãos e as tuas,
 

Para extinguir em nós o azul ausente
e aprisionar no azul as coisas gratas,
enfim, nós derramamos simplesmente
azul sobre os vestidos e as gravatas.
 

E afogados em nós, nem nos lembramos
que no excesso que havia em nosso espaço
pudesse haver de azul também cansaço.
 

E perdidos de azul nos contemplamos
e vimos que entre nós nascia um sul
vertiginosamente azul. Azul.

 

A Solidão e Sua Porta
(A Francisco Brennand)

Quando mais nada resistir que valha
a pena de viver e a dor de amar
E quando nada mais interessar
(nem o torpor do sono que se espalha)
 

Quando pelo desuso da navalha
A barba livremente caminhar
e até Deus em silêncio se afastar
deixando-te sozinho na batalha
 

Arquitetar na sombra a despedida
Deste mundo que te foi contraditório
Lembra-te que afinal te resta a vida
 

Com tudo que é insolvente e provisório
e de que ainda tens uma saída
Entrar no acaso e amar o transitório.
 

Testamento do Homem Cansado 

Quando eu morrer, não faças disparates
nem fiques a pensar: Ele era assim…
Mas senta-te num banco de jardim,
calmamente comendo chocolates.
 

Aceita o que te deixo, o quase nada
destas palavras que te digo aqui:
Foi mais que longa a vida que eu vivi,
para ser em lembranças prolongada.
 

Porém, se um dia, só, na tarde em queda,
surgir uma lembrança desgarrada,
ave que nasce e em vôo se arremeda,
 

deixa-a pousar em teu silêncio, leve
como se apenas fosse imaginada,
como uma luz, mais que distante, breve.

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