quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Maciel Melo - Crônicas de um cantador

setembro 23, 2021 Por Alexandre Morais Sem comentários

Mariposa branca

Maciel Melo. Foto: Claudio Gomes


Não podia errar nos preâmbulos, a introdução era fundamental para o desfecho daquele concerto apresentado para um público fiel, que o amava e do qual emanava uma energia cósmica em direção ao tablado que penumbrava em finos fios de fumaça e luz. Cada canção tinha um segredo guardado atrás do tema. E foi abrindo os olhos, tirando a vista da batuta invisível que regia seu subconsciente, desembassando a íris, enxergando cada sorriso que se espalhava no quintal da casa da gente.

De repente o seu olhar se estreita, e como um fino fio de laser mira um ponto fixo lá num canto da platéia. Era o vulto esvoaçante de uma linda borboleta. Uma mariposa branca, um olhar azul anil. Diz a lenda que as mariposas brancas são raríssimas e quando aparecem é sinal de paz. Uma sensação inquietante, a partir dali, mudaria o roteiro do espetáculo, que evoluiu de um simples concerto para uma ópera em vários atos, sendo que cada ato começava na deixa do ato anterior. Se agigantou, se fez poema, virou serenata e orquestrou uma sinfonia repleta de acordes dissonantes, maiores e menores, para servir de pano de fundo ao teatro da vida. Era pra ser só o vulto de uma mariposa, apenas um vulto. Uma miragem, um flash, um flerte, um relâmpago qualquer. Era pra ser só um som, um sereno, mas aí nublou, trovejou, choveu, se fez riacho, virou rio, transbordou, entrou num remanso e desaguou num mar de águas cristalinas. Içou as velas, soltou a âncora, e velejou no eco daquela imensidão entoando uma melodia vinda dos oceanos abissais. Marejou, flutuou sobre as ondas sonoras do momento, e foi trazendo em seus sons fragmentos de canções orquestradas pelos deuses, para compor a música da dança das borboletas.

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