Versos de Alexandre Morais e artes de Edgley BritoCancão acuando cobra
E a bicha engolindo um sapo
E o bicho inflamando o papo
Pra ver se o tamanho dobra
Urubu comendo a sobra
De um cassaco esgoelado
Que o guará deixou de lado
Quando se viu satisfeito
Eis o retrato perfeito
Do sertão que eu fui criado
Um boi ruminando deita
Por cima do pasto frio
Chega a baba faz pavio
Quando o bicho se deleita
Um anu no lombo aceita
Nem liga pro beliscão
Que longe da precisão
Quem bem passa, mal não trata
Quando o verde veste a mata
Meu sertão é mais sertão
É difícil quem retrate
Uma noite assim tranquila
Um grilo longe sibila
E um cachorro longe late
Isso é ouro em quilate
Que Deus nos deu de presente
Fez o ouro reluzente
E o sertão que não reluz
Mas é o que mais seduz
E o que mais enrica a gente
Aprendi c’um certo João
Paraibano e poeta
Que o relampo é o profeta
Que anuncia o trovão
Que a semente racha o chão
Para a planta germinar
E sabiá ao cantar
Avisa que o ano presta
O trovão prepara a festa
Pra Asa Branca voltar
Quando chega a invernada
O nevoeiro aparece
E o relampo risca um “S”
Na tela da madrugada
Mas nessa seca danada
O “S” é o do sofrimento
Com mais o “T” do tormento
Judiando os animais
Se a seca demorar mais
Eu vendo até meu jumento
Um boi que saiu da canga
Inda com marca no lombo
Entre tropicão e tombo
Busca refúgio na manga
Com a mutuca se zanga
Lembra a vara que o furou
Depois lambe onde ficou
A ferida do ferrão
E o caçote lambe o chão
Da cacimba que secou
Nessa paisagem da gente
O suor é companheiro
Do trabalhador roceiro
Quando o sol grita: presente
Mas o sertanejo é crente
Ora para Deus agir
Só basta a reza subir
Pra água se derramar
Só Deus faz o céu chorar
Pro sertanejo sorrir
O ano tem dozes meses
Uns de chuva, outros de estio
Quando chove canta o rio
Mas isto são poucas vezes
Sofrem os homens, as reses
Mas chuva que molha o chão
Espanta logo o carão
E acorda os sabiás
O sertão só dorme em paz
Quando ouve a voz do trovão
Minha casa é bem modesta
Mas cabe minha família
Faço da mata a mobília
E de jardim a floresta
Terreiro é salão de festa
A cancela é o portão
E existir uma mansão
Melhor que esta eu duvido
Além do lar que eu resido
Minha casa é o sertão
Quem pensa que é só tristeza
Falta de chuva e quentura
Nunca provou da fartura
Que é feita a nossa mesa
Pela própria natureza
Quem é daqui sabe dar
Um jeito de transformar
A boa vontade em pão
Quem fala mal do sertão
Não conhece o meu lugar
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