Clara
Arte: Edgley Brito |
Eu tô falando da
claridade no falar. Aquele modo de dizer as coisas que algumas pessoas tem de
explicar no miudinho. Aí vocês entenderam, né? Uma criança bem explicadinha é
de chamar atenção. Já depois de certa idade, nem tanto.
Menina moça, ela até
passou um tempo com o costume de depois de explicar o explicado perguntar: fui
clara? E ainda completava: é que eu sou clara até no nome. Aí soltava um riso
amarelo claro.
As reações também
foram ficando mais claras. Mas entre os elogios e as rabissacas só dava conta
dos primeiros. E a coisa foi ficando séria. Séria porque tem horas que, vamos
combinar, paciência né! É que Clara passou a caprichar também no verbo e aí, em
vez de esclarecer, complicava. Era cada palavra desconhecida da maioria, cada
figura de linguagem mais perto da outra e mais-mais-mais que a claridade mudou
o tom. Ganhou um cinza e foi escurecendo ao ponto de ouvir repetidas vezes
aquela máxima: falou um quilo e eu não entendi um grama.
Como eu sou afeito a
dizer o santo e o milagre, trago uma das passagens de Clara. Pedida em namoro,
passou uma semana se encontrando com o rapaz pra justificar o não. Claro que
esse não não foi assim, um não com forma e som de não. Contou as histórias de todos
os romances literários mal sucedidos que já tinha lido. Contou as histórias de
umas três ou quinze amigas também mal enamoradas. Embalou cada detalhe com
metáforas, onomatopeias, hipérboles e pleonasmos e findou com um clássico: eu
gosto de você, mas devemos continuar como amigos.
O apaixonado teve toda paciência. Até aproveitou para conhecer os enredos de alguns livros que tinha feito a resenha para ganhar pontos na escola, mas que nunca tinha lido. Ainda assim saiu resmungando: porque num disse logo não... vai-te!
0 comments:
Postar um comentário