sexta-feira, 12 de novembro de 2021

Alexandre Morais - Crônicas em Retalhos

novembro 12, 2021 Por Alexandre Morais Sem comentários

 Clara

Arte: Edgley Brito

   A luz do dia e os olhos de Santa Luzia podem empatar, mas não são mais claros que Clara. Clara é de uma claridade exagerada. Aliás essas coisas são ganhas com o tempo. Quando criança ninguém achava exagerado. Quando adolescente, só um pouco. Na juventude ganhou foi nome de metida. Aí chega a adultice e pronto! Ficou de um exagero só a claridade de Clara.

  Eu tô falando da claridade no falar. Aquele modo de dizer as coisas que algumas pessoas tem de explicar no miudinho. Aí vocês entenderam, né? Uma criança bem explicadinha é de chamar atenção. Já depois de certa idade, nem tanto.

   Menina moça, ela até passou um tempo com o costume de depois de explicar o explicado perguntar: fui clara? E ainda completava: é que eu sou clara até no nome. Aí soltava um riso amarelo claro.

   As reações também foram ficando mais claras. Mas entre os elogios e as rabissacas só dava conta dos primeiros. E a coisa foi ficando séria. Séria porque tem horas que, vamos combinar, paciência né! É que Clara passou a caprichar também no verbo e aí, em vez de esclarecer, complicava. Era cada palavra desconhecida da maioria, cada figura de linguagem mais perto da outra e mais-mais-mais que a claridade mudou o tom. Ganhou um cinza e foi escurecendo ao ponto de ouvir repetidas vezes aquela máxima: falou um quilo e eu não entendi um grama.

   Como eu sou afeito a dizer o santo e o milagre, trago uma das passagens de Clara. Pedida em namoro, passou uma semana se encontrando com o rapaz pra justificar o não. Claro que esse não não foi assim, um não com forma e som de não. Contou as histórias de todos os romances literários mal sucedidos que já tinha lido. Contou as histórias de umas três ou quinze amigas também mal enamoradas. Embalou cada detalhe com metáforas, onomatopeias, hipérboles e pleonasmos e findou com um clássico: eu gosto de você, mas devemos continuar como amigos.

  O apaixonado teve toda paciência. Até aproveitou para conhecer os enredos de alguns livros que tinha feito a resenha para ganhar pontos na escola, mas que nunca tinha lido. Ainda assim saiu resmungando: porque num disse logo não... vai-te!

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