terça-feira, 14 de dezembro de 2021

O terror da moral e dos bons costumes

dezembro 14, 2021 Por Alexandre Morais Sem comentários


Por Matheus Bomfim / IMMuB

   Odair José se auto denomina como “cronista social”, escrevendo músicas narrando sobre o cotidiano com bastante romantismo, como em Eu, você e a praça (1973). Mas além disso, nosso Terror das Empregadas sempre foi um contestador. Seu exemplo mais conhecido desse tipo de música polêmica foi Eu vou tirar você desse lugar, 1972, canção em que o eu lírico declara seu amor para uma prostituta. Contudo, ainda em 1971, no seu segundo disco pela CBS intitulado Meu Grande Amor, temos a faixa Vou Morar Com Ela em que ele entoa:

O meu amor
Foi aumentando
Cresceu demais
E uma hora por dia
Já não resolve mais[...]
Não suporto mais viver longe dela
Não aguento mais, eu vou morar com ela
Não suporto mais viver longe dela[...]
Não aguento mais, eu vou morar com ela
Todo mundo acha que eu não devo ir
Minha família pensa até que eu enlouqueci
Que eu enlouqueci[...]

   A letra pode parecer simples, mas devemos nos atentar a um detalhe, Odair fala que vai “morar” com a amada, e não se casar e constituir uma família como a moral vigente prega. Ele canta sobre o desejo de ter sua amada sem se preocupar com os dogmas sociais, mas ainda não foi dessa vez que Odair foi incisivo e chamou atenção da censura e da sociedade.

  Em 1972, Odair lança um compacto pela CBS, continha a música Eu vou tirar você desse lugar, a famosa música sobre a “puta”:

Eu vou tirar você desse lugar
Eu vou levar você pra ficar comigo
E não me interessa o que os outros vão pensar

  Assim como Eu não sou cachorro, não, de Waldick Soriano, essa música é uma daquelas que fazem parte do inconsciente popular, todo mundo começa a cantar se for tocada em uma festa. Foi com essa canção que Odair teve seu primeiro contato com a censura do Regime Militar, foi chamado para depor e explicar a letra, pois, de acordo com um militar presente em seu interrogatório, não era de bom tom o refrão “Eu vou tirar você desse lugar”, os militares acharam que era uma crítica velada ao governo. Foi aí que Odair explicou que a canção se tratava de um homem declarando seu amor para uma prostituta, não era nada com o governo. Foi aí que ouviu um “piorou”, que aquilo não era uma coisa decente para se cantar, e todas essas outras baboseiras moralistas. Foi a partir disso que Odair teve que submeter todas as suas músicas a uma censura prévia.

   Odair questiona a moralidade vigente com essa questão, em que o modelo de família cristã prevalecia, na cultura cristã a imagem da mulher é associada à Eva, feita a partir e para o homem e ao mesmo tempo uma maliciosa que fez com que Adão comesse o fruto proibido. E a partir dessa mesma cultura existem dois exemplos de mulheres, a pura, a dona de casa, submissa ao jugo masculino, associada à figura da Santa Maria, e o segundo, a mulher insubordinada, a da rua, a prostituta, aquela que não segue o modelo estabelecido (Meis).

  Com sua música, Odair mostra que essa mulher merece respeito e ser amada, que no final das contas o que importa é o amor e não interessa o que os outros vão dizer, como a própria música narra.

   Essa não foi única vez em que Odair foi alvo de censura, no ano seguinte teve sua canção Uma vida só (Pare de tomar a pílula) barrada pelos censores, lançada em 1973, no LP que leva o nome do cantor e compositor. Nela Odair conta a história de um homem que pede para sua esposa para de tomar o anticoncepcional e assim eles poderem ter um filho. Contudo, nesse mesmo período o Regime Militar desenvolvia um projeto de uso da pílula anticoncepcional entre as camadas mais baixas e não pegaria bem Odair cantando “Pare de tomar a pílula” para o mesmo grupo que o governo mirava o uso do comprimido.

   Nesse mesmo LP temos a canção Deixe essa vergonha de lado, dessa vez a figura que Odair lança luz é a da empregada doméstica, a balada narra a história de uma moça que tem vergonha de seu lugar social, do seu emprego, ela é uma empregada doméstica e acha que por sua condição de subalternidade pode perder seu amor:

Deixe essa vergonha de lado!
Pois nada disso tem valor
Por você ser uma simples empregada
Não vai modificar o meu amor

   Com essa música nosso artintelectual (Silva, 2017) fala da desigualdade social, de como ela pode influenciar nosso relacionamentos amorosos e ainda mostra como a empregada precisa ser respeitada, lembrando que só no primeiro governo de Dilma a profissão foi regularizada3.

   Com essa música Odair José ganhou a alcunha de Terror das Empregadas, acharam que ele só queria transar com empregadas com essa música, o que importa é que fez sua parte em cantar sobre essa classe, que como tantas outras, é desvalorizada em nosso país e que para o amor verdadeiro não existe barreiras de classe, pois quando o amor existe, não existe tempo para sofrer.

Copiado de: https://immub.org/noticias/o-terror-da-moral-e-dos-bons-costumes

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