A gota d’água que não cabia mais no pote
Eu tava aqui, cá com meus botões, procurando assunto, e me lembrei de uma situação que me aconteceu há um tempo atrás, quando fui convidado quase que obrigatoriamente, a testemunhar em uma audiência de conciliação. Mas logo eu? Enfim, como era amigo dos dois lados, tive que usar de muita artimanha para neutralizar a minha presença, e sair de boa. Mas enquanto não se dava o veredito, eu fiquei ali sem jeito, observando cada gesto de cada um, e me dei conta de que eu também já havia estado ali na mesma posição deles. Pois bem, peguei um papel e comecei descrever aquilo:
Cabisbaixos, frente a frente, olho por olho, dente por dente.
Os olhares distantes, já não brilham mais. A íris boia no globo ocular, vasculhando os quatro cantos da sala, evitando mirar na direção um do outro.
Um incômodo infame agoniza a alma, e a inquietude das mãos que não param de bulir nos objetos sobre à mesa: Um martelo de madeira, uma sineta, um calhamaço de provas, e um silêncio feito faca rasgando a carne por dentro. Já não há mais ilusão.
As paredes brancas como a neve, abrem os ouvidos para mais uma audiência. É apenas mais uma, mas mesmo assim põem os tímpanos à disposição dos argumentos da defesa.
Não existe réus, por enquanto. Apenas o queixume recheado de dúvidas e suposições. Mas toda queixa tem os dois lados da moeda, e é exatamente pela falta da moeda que surge um terceiro lado: o lado invisível, o lado vazio, o lado obscuro, o lado que se tem, e só foi posto à mesa porque o lado de fora resolveu invadir o lado de dentro; aí, já é invasão de privacidade. Aí o peito estoura, o sangue desunera, a cabeça explode, o juízo acelera, e não há cabresto que esbarre um orgulho ferido vindo a galope, num terreno íngreme, sem freio e desembestado.
É o fim, é o medo, é o ponto final, é o degredo, é a gota d’água que não cabia mais no pote.
Maciel Melo
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