segunda-feira, 9 de maio de 2022

A influência (ou troca) do rock na música sertaneja

maio 09, 2022 Por Alexandre Morais Sem comentários


Por Chris Fuscaldo / IMMuB

   No Dia do Sertanejo, comemorado em 03 de maio, vamos falar de rock. Ou melhor, de como o rock chegou na música caipira e ajudou a transformá-la em música sertaneja, essa que lidera o mercado de vendas e arrecadações no Brasil há alguns anos. Há algum tempo, escrevi um artigo, para um congresso que aconteceu na USP, sobre a relação que se criou entre nossa música caipira e outros gêneros oriundos de países vizinhos. Resolvi resgatá-lo e adaptá-lo, deixando, através do texto, a leitura mais fluida. Convido você, leitor, a viajar comigo para esse universo do chapéu e das botas!

  A música sertaneja é tão brasileira quanto o samba, a bossa nova, o forró e o rock. Para alcançar a fórmula desse sucesso, foi preciso, na década de 1950, que a canção caipira incorporasse o bolero mexicano, a guarânia paraguaia, o chamamé argentino e até o country estadunidense. Mais tarde, foi o rock que mudou de vez o estilo do gênero, com a chegada da guitarra nos palcos e estúdios. O sucesso que ecoou no país depois da explosão de duplas como Chitãozinho & Xororó, nos anos 1980, é a consequência de um processo que vinha se desenrolando há décadas, de relação do Brasil com seus países vizinhos. 

  No livro “Cowboys do Asfalto: Música Sertaneja e Modernização Brasileira”, resultado da tese de doutorado do historiador Gustavo Alonso, o autor traça o panorama histórico da música sertaneja desde sua origem, passando pelo momento em que se desvinculou de suas raízes para se firmar como um estilo próprio, e mostrando os momentos em que ela se mostrou apta a absorver novos elementos musicais. Alonso mostra que dos anos 1950 até os anos 1990 passou a haver uma oposição radical entre caipiras e sertanejos. Enquanto alguns artistas rejeitavam qualquer mudança na estética da música rural, renegando outro (novo) instrumento que não fosse a viola caipira e criticando a adesão da poética melodramática, cantores, músicos, produtores, empresários e radialistas ávidos pela modernização da produção musical típica das cidades do interior do Brasil importavam ritmos e gêneros estrangeiros que descobriam através dos rádios e dos discos.

  “Embora fosse um fenômeno que já ocorria antes, a partir da década de 1950 esse processo se acelerou muito, com a popularização do compacto simples (Cps), do compacto duplo (Cpd) e, mais tarde, dos LPs, bem como do rádio. Com a popularização do rádio, houve também o aumento da ‘importação’ de gêneros musicais como o jazz americano e gêneros caribenhos como o mambo, a conga e o bolero. Também a guarânia paraguaia, o rasqueado mexicano e o chamamé argentino atravessaram as fronteiras”, escreve Alonso, no livro.

  A década de 1960 sofreu uma verdadeira revolução com a explosão do rock'n'roll. No Brasil, o governo de Juscelino Kubitschek estimulou o desenvolvimento e a adoção de aparelhos tecnológicos, entre eles a televisão. Com Elvis Presley, Beatles, Rolling Stones e muitos outros invadindo as casas, nos anos 1960, através do rádio e da TV, surgiram novos nomes na cena musical e, a reboque de tais acontecimentos, um movimento nacional chamado Jovem Guarda. No circuito sertanejo, em 1969, a dupla Leo Canhoto & Robertinho foi pioneira ao incorporar guitarra, baixo, teclado e bateria à música. 

  Nessa época, empolgados com tantas mudanças e possibilidades de experimentações na cena artística, os que faziam rock começaram a dialogar com os sertanejos: o conjunto Os Mutantes tocaram com Tonico & Tinoco sob a batuta do maestro tropicalista Rogério Duprat, em 1970, no desfile-show promovido pela Rhodia “Nhô Look”, protagonizado por Rita Lee;  Geraldo Vandré incorporou a viola caipira em sua obra; Sá, Rodrix & Guarabira criaram o que ficou conhecido como rock rural nos anos 1970; e artistas da MPB flertaram com a música sertaneja na década de 1980, tendo Jair Rodrigues e Fafá de Belém gravado com Chitãozinho & Xororó, Roberta Miranda e Zezé Di Camargo. 

  “Marcianita” tem mais de 130 registros pelo mundo. No Brasil, ela chegou pela versão argentina do roqueiro Billy Cafaro , influenciando seu primeiro intérprete, o também roqueiro Sérgio Murilo, que a gravou em 1970. Depois, a canção chilena ganhou asas e voou para outros campos musicais, dialogando com muitos outros gêneros: os tropicalistas Caetano Veloso e Os Mutantes a registraram em um raro EP de 1968 intitulado “Caetano Veloso e Os Mutantes”; Raul Seixas  a gravou como um rock, em 1973; ícone da MPB, Gal Costa fez da canção um bolero baiano, em 2002. Isso para falar das versões mais famosas… 

  Na década de 80, Milionário & José Rico vendiam mais discos do que Roberto Carlos e ganhavam mais dinheiro do que muito artista endossado pelas camadas rica e intelectual brasileiras justamente incorporando o legado paraguaio e mexicano. Adeptos da guitarra roqueira, Chitãozinho & Xororó fizeram tanto sucesso quando apareceram defendendo o subgênero conhecido como “sertanejo romântico” que chegaram até a cantar com o Rei em um de seus tradicionais programas especiais de fim de ano apresentados na TV Globo. 

  Foi essa renovação de linguagem que incomodou os defensores da música caipira. Bastou esses novos nomes que misturavam música caipira a ritmos estrangeiros alcançarem a fama e dominarem o mercado para que artistas de outros segmentos passassem a se opor ao sertanejo. Esse preconceito perdurou entre as elites que foram se formando ao longo das décadas que se seguiram. Mas não adianta lutar contra: o ponto de escuta híbrido que demanda uma música popular de vanguarda nos dá um sentido de modernidade que pode ser mais completo que a oferecida por uma arte contemporânea isolada ou por uma música popular desinformada. 

Transcrito de https://immub.org/noticias/a-influencia-ou-troca-do-rock-na-musica-sertaneja

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