Cancão acuando cobra E a bicha engolindo um sapo E o bicho inflamando o papo Pra ver se o tamanho dobra Urubu comendo a sobra De um cassaco esgoelado Que o guará deixou de lado Quando se viu satisfeito Eis o retrato perfeito Do sertão que eu fui criado
Um boi ruminando deita Por cima do pasto frio Chega a baba faz pavio Quando o bicho se deleita Um anu no lombo aceita Nem liga pro beliscão Que longe da precisão Quem bem passa, mal não trata Quando o verde veste a mata Meu sertão é mais sertão
É difícil quem retrate Uma noite assim tranquila Um grilo longe sibila E um cachorro longe late Isso é ouro em quilate Que Deus nos deu de presente Fez o ouro reluzente E o sertão que não reluz Mas é o que mais seduz E o que mais enrica a gente
Aprendi c’um certo João Paraibano e poeta Que o relampo é o profeta Que anuncia o trovão Que a semente racha o chão Para a planta germinar E sabiá ao cantar Avisa que o ano presta O trovão prepara a festa Pra Asa Branca voltar Quando chega a invernada O nevoeiro aparece E o relampo risca um “S” Na tela da madrugada Mas nessa seca danada O “S” é o do sofrimento Com mais o “T” do tormento Judiando os animais Se a seca demorar mais Eu vendo até meu jumento Um boi que saiu da canga Inda com marca no lombo Entre tropicão e tombo Busca refúgio na manga Com a mutuca se zanga Lembra a vara que o furou Depois lambe onde ficou A ferida do ferrão E o caçote lambe o chão Da cacimba que secou Nessa paisagem da gente O suor é companheiro Do trabalhador roceiro Quando o sol grita: presente Mas o sertanejo é crente Ora para Deus agir Só basta a reza subir Pra água se derramar Só Deus faz o céu chorar Pro sertanejo sorrir O ano tem dozes meses Uns de chuva outros de estio Quando chove canta o rio Mas isto são poucas vezes Sofrem os homens, as reses Mas chuva que molha o chão Espanta logo o carão E acorda os sabiás O sertão só dorme em paz Quando ouve a voz do trovão Minha casa é bem modesta Mas cabe minha família Faço da mata a mobília E de jardim a floresta Terreiro é salão de festa A cancela é o portão E existir uma mansão Melhor que esta eu duvido Além do lar que eu resido Minha casa é o sertão Quem pensa que é só tristeza Falta de chuva e quentura Nunca provou da fartura Que é feita a nossa mesa Pela própria natureza Quem é daqui sabe dar Um jeito de transformar A boa vontade em pão Quem fala mal do sertão Não conhece o meu lugar Eu enxergo a poesia No sol que se deita rubro Num fim de tarde de outubro Ao som da Ave Maria Miro ele todo dia Chega o olho lacrimeja Como quem sonha ou deseja Fazer o que Deus tem feito Deus tatuou no meu peito A paisagem sertaneja Deus fala à minha pessoa No ranger d’uma braúna No cantar d’uma craúna No gralhar da cracatoa No sapo, que na lagoa Depois da noite parida Corteja a lua nascida Refletida na represa Quem protege a natureza Defende a base da vida
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