Foto/Petrônio Pires - Estátua de Manoel Arão na Praça Padre Carlos Cottart. |
Por Alexsandro Acioly
(Pesquisador, historiador e membro do CEPEDOC-Pajéu)
A cidade de Afogados da Ingazeira (PE) vem passando, nesses últimos anos, por um processo de mudanças de fazer inveja a alguns municípios que continuam estagnados no tempo. Mas, o que pouca gente sabe, ou conhece, paira sobre as mudanças que ocorriam antes da metade do século XX. Falo, em especial, as mudanças dos nomes de alguns logradouros e praças existentes na cidade. Exemplos como a praça Dr. Oscar de Campos Góes que, após a inauguração da sua praça de alimentação passou a se chamar Prefeito Miguel de Campos Góes e da Travessa Manoel Arão que, passou a ser chamada de Rua Jorge Valadares de Souza. Isso nos faz pensar em quais os motivos e causas que levaram, e levam, gestores municipais a tais feitos.
Diante desses acontecimentos é que resolvi fazer esta breve pesquisa em torno da mudança do nome da praça principal em 1930 ora denominada de “PRAÇA MANOEL ARÃO” para “PRAÇA IRMÃOS PESSOA DE QUEIROZ”. Segundo o que é relatado em carta enviada ao periódico Pequeno Jornal, pelo então prefeito Pedro Pires, seria uma homenagem aos irmãos Pessoa de Queiroz pelos valiosos benefícios prestados. Aí me pergunto: prestados a quem?
Neste caso, em especial, fico sem entender o que seria” benefícios prestados”. Será que o conterrâneo Manoel Arão não prestou nenhum benefício a nossa cidade? Relendo a história do município pouco se fala na pessoa de Arão, mas quando partimos para pesquisas um pouco mais profundas podemos ver em periódicos e nos arquivos da Biblioteca Nacional o quão grande foi este ilustre afogadense. Aliás, parece-me que os contemporâneos a Arão eram de outro planeta, tal a inteligência de alguns deles, mesmo sem as fontes de pesquisa que nos rodeiam em tempos atuais.
Transcreverei, dos textos enviados, o texto de Mário Mello no Diário de Pernambuco e a justificativa do prefeito Pedro Pires Ferreira relativo a mudança do nome ao Pequeno Jornal, tal qual foi escrito, para que não haja dúvidas em relação aos mesmos.
Mentalidade que se define
Mau grado o trabalho que se vem desenvolvendo desde muito no instituto, em relação a nomes de ruas, para evitar-se a prática arbitrária de mudanças – umas apagam a tradição, outras que são atos de revoltante injustiça, outras em fim que não passam de bajulação – mau grado desse trabalho, ainda se cometer por aqui a fora atentados inomináveis.
Havia, na cidade de Afogados da Ingazeira, uma praça com o nome de Manoel Arão. Filho daquele município, Manoel Arão cursou alí as primeiras letras e, bisonho veio para a capital, onde praticou o jornalismo, a princípio n’A Província e depois no Diário de Pernambuco e na Lanterna Mágica. Fez nome. Publicou livros de versos, publicou romance, publicou peças de teatro, publicou estudos filosóficos, publicou trabalhos de história, desenvolveu a crítica literária. Professor da Faculdade de Comércio, atingiu ao último posto da hierarquia administrativa. Eleito por concurso para a Academia Pernambucana de Letras, ocupava a presidência. Membro do Conselho Municipal de Recife, era 1º secretário.
Não se sabe que Afogados de Ingazeira tenha produzido outro filho mais ilustre.
Justamente envaidecida com a fama do seu filho, a cidade de Afogados deu à praça principal o nome de Manoel Arão. Uma homenagem que muito o comoveu, como se expressou dias antes de morrer.
Desaparecido Manoel Arão, a sociedade pernambucana prestou á sua memória o preito a que tinha direito, quer pelo seu mérito intelectual, quer pelas suas qualidades de homem de bem. A academia pernambucana e a faculdade de Comércio realizaram sessões públicas para exaltação do seu valor, das suas virtudes.
Enquanto isto, reúne-se em Afogados de Ingazeira o Conselho Municipal e vota substituir por outro, na praça pública, o nome de Manoel Arão, daquele que fôra o mais glorioso filho da cidade!
Isto define a mentalidade de um povo e dispensa comentários.
Nem merece protesto. É bastante rejistar-se o facto, para a ignominia dos responsáveis.
MÁRIO MELO
DIARIO DE PERNAMBUCO – DOMINGO, 18 DE MAIO DE 1930
Bem se ver, no texto de Mário Melo, a grandeza e a importância de Manoel Arão em áreas distintas de vários órgãos do estado. Mário Melo é enfático ao ratificar o quanto Arão se sentia orgulhoso em ter o seu nome gravado em praça pública, a mesma praça que em dezembro de 1889 ele discursou em adesão a república e a chegada dos correios a esta cidade.
Será que os Pessoa de Queiroz realmente tinham essa importância para afogados da Ingazeira, ou seria apenas interesses políticos? O certo é que no Recife a indignação foi total por parte de membros das instituições municipais e estaduais. Mas, em carta ao Jornal Pequeno, na capital pernambucana, o Prefeito Pedro Pires Ferreira justificou, ou tentou justificar, a mudança do nome da, até então, praça Manoel Arão.
Segue o texto transcrito:
Em torno da mudança do nome de uma praça
Recebemos a seguinte carta:
“Afogados da Ingazeira, 9.6.930.
Exmo. Sr. Dr. Diretor do Jornal Pequeno”
Attenciosos saudares.
Tendo o jornal Pequeno e o diário de Pernambuco publicado comentários à deliberação do conselho Municipal de Afogados da Ingazeira em denominar a antiga Praça Manoel Arão de Irmãos pessoa de Queiroz, cumpre-me trazer ao conhecimento de V. Excia. O motivo deste proceder. Acontecendo a morte de nosso inolvidavel conterrâneo Manoel Arão, o conselho, entre outras homenagens prestadas à sua memória, deliberou transferir a denominação da antiga Praça Manoel Arão para a rua onde nascera o brilhante intellectual. E, como os Srs. Pessoa de Queiroz fizessem jus a uma homenagem deste município, pelo valiosíssimos benefícios que nos tem prestado, foi, a antiga Praça Manoel Arão, denominada Praça Irmãos Pessoa de Queiroz.
Para que o público fique inteirado de que a memória de Manoel Arão foi dignificada pelos seus conterrâneos, peço publicar a presente.
Aproveito o ensejo para expressar os meus sinceros votos pela prosperidade do Jornal Pequeno e pela felicidade pessoal de V. Excia.
Sem outro motivo firmo-me sumamente grato.
De V. Excia. Amo e Ador. Atto.
Pedro Pires, Prefeito.
JORNAL PEQUENO – 16.06.930
Como é que se faz uma homenagem substituindo o nome de alguém, neste caso, Manoel Arão, pelo nome de outro à praça pública?
A justificativa de substituir o nome e transferir para um logradouro no meu ponto de vista não é convencível, creio que o ato de batizar a rua como nome de Arão tenha ocorrido apenas por pressão tanto dos periódicos que publicaram a respeito do ocorrido, quanto pelos órgãos que também se manifestaram na capital. E cito especialmente a pessoa de Mário Melo por encabeçar tais protestos.
É fato que esses movimentos não param por aqui, mas seria interessante que ao fazer tais mudanças seja pensado, pesquisado e estudado o real intuito de ocorrerem essas transformações.
O artista plástico Edierck José ao lado de sua obra. |
Finalizo parabenizando o governo atual pelo resgate histórico em memória deste afogadense que tanto se orgulhou da sua terra e do seu povo, instalando na Praça Padre Carlos Cottart uma estátua em sua homenagem.
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