quinta-feira, 31 de agosto de 2023

Patativa do Assaré e a culpa da seca

agosto 31, 2023 Por Alexandre Morais Sem comentários


   O Poeta Patativa do Assaré (foto acima) é uma das maiores referências da Poesia Nordestina. E da vida nordestina também. Foi a voz de muitos conterrâneos. Foi pleno na arte em sua razão de ser: expressar um tempo, um lugar, uma gente.

   Estamos entrando em setembro e, como é natural, sentindo o sol mais quente. Os avisos são de uma quentura maior. A sensação comprova. Especialmente os homens e mulheres do campo lamentam. Vão faltando verde e nuvens. A garrancheira ocupa toda a vista. Outrora era tempo de arribá pro sul. Hoje, não sem esforços, dá pra ir ficando.

   Patativa retratou essa cena tão repetida nas vidas dos nordestinos em seu poema Vaca Estrela e Boi Fubá, publicado no livro Cante lá que eu canto cá, em 1978, mas já conhecido oralmente há alguns anos. Uma das gravações mais célebres foi por Luiz Gonzaga e Fagner, em 1984.

   No poema, o nordestino já foi. Tá nas terras do sul. Pede licença a um dotô (alguém que aparenta ascensão social maior que a dele) pra contar o próprio drama. Ter um cavalo, uma vaca, um boi e poder aboiar eram as riquezas maiores do nordestino penoso. Perder estes dotes e ainda sair da própria terra foram um quase fim. Perdeu para a seca. E o forasteiro chora por tá longe de casa, pelo cavalo, pela vaca Estrela, pelo boi Fubá. Sem entender, culpa a seca. E aceita o sofrimento como naturá.

   Bora pensar melhor essa história? Patativa poetizou o sofrer dos seres de um lugar. Mas esta poesia só se presta ao belo? Será que só faltou capim no campo? Só o solo esturricou? E agora, meio século depois, como estão o Sertão, o Nordeste, as pessoas, os animais, a vegetação...

  Cada resposta dá uma boa prosa. Cantem por aí que eu canto cá.

Vaca Estrela e Boi Fubá (Patativa do Assaré)

Seu dotô me de licença
Pra minha história contá
Hoje eu tô na terra estranha
E é bem triste o meu pená
Mas já fui muito feliz
Vivendo no meu lugá
Eu tinha cavalo bom
Gostava de campeá
E todo dia aboiava
Na porteira do currá

Eu sou fio do nordeste
Não nego o meu naturá
Mas uma seca medonha
Me tangeu de lá pra cá
Lá eu tinha o meu gadinho
Não é bom nem imaginá
Minha linda vaca Estrela
E o meu belo boi Fubá
Quando era de tardezinha
Eu começava a aboiá

Aquela seca medonha
Fez tudo se trapaiá
Não nasceu capim no campo
Para o gado sustentá
O sertão esturricô
Fez os açude secá
Morreu minha vaca Estrela
Se acabou meu boi Fubá
Perdi tudo quanto eu tinha
Nunca mais pude aboiá

Hoje nas terra do sul
Longe do torrão natá
Quando eu vejo em minha frente
Uma boiada passá
As água corre dos oios
Começo logo a chorá
Lembro minha vaca Estrela
E o meu lindo boi Fubá
Com sodade do nordeste
Dá vontade de aboiá



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