Por Hesdras Souto*
A ditadura civil-militar no Brasil (1964-1985) foi um regime
autoritário instaurado após o golpe de Estado que derrubou o presidente João
Goulart em 31 de março de 1964.
Marcado pela supressão de liberdades democráticas, o período foi
caracterizado pela censura, perseguição política, tortura, assassinatos e
desaparecimento de opositores, além da intervenção em sindicatos, universidades
e na imprensa.
Os militares estabeleceram um governo centralizado e subalterno
aos interesses dos Estados Unidos durante a Guerra Fria. Ao longo dos anos, o
regime endureceu com a promulgação de Atos Institucionais (AIs), como o AI-5
(1968), que ampliou a repressão e suspendeu todos os direitos constitucionais.
Milhares de pessoas no Brasil foram espionados pelos agentes da ditadura, os
famigerados “Arapongas”.
Várias pessoas no Pajeú estiveram na mira deles, principalmente
os membros do nosso Clero. Além do inesquecível Dom Francisco Austregésilo
Mesquita, Bispo Diocesano de Afogados da Ingazeira de 1961 a 2001, o Padre José
Viana da Silva Sobrinho, ou simplesmente Padre Viana, também foi espionado
devido ao seu trabalho a frete da Paróquia de São Pedro, na cidade de Itapetim.
Documentos confidenciais produzidos durante a Ditadura
Civil-Militar mostram que o Padre Viana e três seminaristas (Josildo Vieira de
Melo, Cícero Vieira de Souza, Alexandrino Pereira Neto), foram considerados da
“ala progressista do clero”, por ter estreitas ligações com o Bispo Dom
Francisco, alvo número um dos militares no Pajeú. Num dos relatórios, o Padre
Viana é citado como “agitador” e “elemento instigador dos trabalhadores rurais”
da cidade de Itapetim, por sua constante preocupação com a fome e a miséria que
atingiram a região em virtude das secas. É importante salientar que muitos
padres incomodaram a Ditadura Civil-Militar no Brasil porque muitos deles se
posicionaram contra os abusos de direitos humanos, a repressão e a injustiça
social promovida pelo regime.
Embora a Igreja Católica como instituição tenha tido setores
conservadores que apoiaram o golpe de 1964, especialmente no início, com o
tempo, uma parte significativa do clero, especialmente os padres ligados à
Teologia da Libertação, passou a se opor fortemente à ditadura. Vários padres
denunciaram publicamente casos de tortura, desaparecimentos e assassinatos
cometidos pelos órgãos de repressão. Isso era visto como subversão pelo regime,
que queria manter essas práticas em segredo.
Muitos padres e bispos, como Dom
Francisco e o Padre Viana, começaram a atuar junto às comunidades mais pobres,
ajudando a organizar Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), incentivando a
consciência política e os direitos sociais. Isso era visto como uma ameaça à
ordem estabelecida, pois empoderava setores marginalizados da sociedade.
Alguns clérigos se notabilizaram pela coragem de enfrentar o
regime militar. Nomes como o de Dom Helder Câmara, arcebispo de Olinda e
Recife, que ficou conhecido como “o Bispo dos Pobres”, e um dos maiores
críticos do regime. Dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo de São Paulo, atuou firmemente
na defesa dos direitos humanos e ajudou a organizar o livro “Brasil: Nunca
Mais”, que documentou inúmeros casos de tortura. Frei Tito de Alencar,
dominicano que foi preso e torturado pelo DOI-CODI e acabou exilado,
representando simbolicamente a perseguição aos religiosos engajados na luta por
um país livre.
Dom Francisco Austregésilo de Mesquita Filho, Bispo Diocesano de
Afogados da Ingazeira, amigo e colaborador de Dom Helder Câmara. Seu lema
episcopal era Ut Vitam Habeant (“Para que tenham vida”). Durante seu
episcopado, participou ativamente do Concílio Vaticano II (1962-1965) e, ao
lado de Dom Helder, foi um dos signatários do famoso Pacto das Catacumbas,
comprometendo-se com uma vida de simplicidade e dedicação aos pobres e
perseguidos. Atuou diretamente em prol do desenvolvimento humanitário, social e
econômico do sertão do Pajeú. Por sua incansável luta pela justiça social,
recebeu o epíteto de Profeta do Sertão, sendo uma voz ativa e estridente na
defesa dos direitos desamparados e dos famintos, chegando, inclusive, a apoiar
publicamente ações como os saques em feiras durante períodos de seca,
argumentando que era preferível isso a ver pessoas morrerem de fome.
Padre José Viana da Silva Sobrinho, Pároco de Itapetim, atuou
contra a fome e a miséria na sua cidade. Comprometido com o Evangelho de
Cristo, foi defensor dos pobres e dos injustiçados que batiam em sua porta na
busca de um pequeno alento para suas misérias sociais. Na Paróquia de São
Pedro, Padre Viana foi um facho de luz que enfrentou a fome, a miséria e as
trevas do autoritarismo, que por duas décadas pairou sobre a nação brasileira.
Padre José Viana da Silva Sobrinho morreu na madrugada de um
domingo, 15 de outubro de 2023, aos 72 anos, em Serra Talhada, por consequência
de um Acidente Vascular Cerebral.
Ele nasceu em Itapetim, em 20 de novembro de 1950. O sacerdote
foi ordenado presbítero em 24 de março de 1979, na Paróquia de São Pedro, em
Itapetim.
*Escritor e
Historiador, Hesdras Souto é Membro do IHGP e do CPDOc-Pajeú